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Índia: a história econômica da superpotência do futuro – Parte 1

Marcos Jr. [1]

Nas últimas décadas e sobretudo nos últimos anos, a Índia vem assumindo, com cada vez mais assertividade e proeminência, sua posição no cenário global [2]: potência nuclear; membro integrante dos BRICS+ (ombreando com China e Rússia o lugar no pelotão mais poderoso do bloco); um “fiel da balança” das relações entre o Ocidente e o “resto” na geopolítica; e uma economia pujante, que, desde 2005, salvo o período de pandemia, cresceu não menos que 3% ao ano, sendo cada vez mais vista como o país que pode rivalizar – ou mesmo suplantar – a China no posto dos gigantes econômicos no futuro – inclusive em população já a superou [3].

Isso sem falar em outros aspectos não menos importantes da Índia: o título de “a maior democracia do planeta, com eleições competitivas desde sua independência; uma história e cultura milenares, conhecida pela sua exuberância; uma das maiores potências agrícolas do mundo, além de uma força industrial expressiva, com destaque para o setor tecnológico [4]. Mas, afinal de contas, como se deu o desenvolvimento econômico indiano ao longo dos séculos? E o que podemos esperar da Índia no futuro?

Neste artigo iremos, de maneira bastante resumida, conhecer um pouco da história econômica da Índia. Quando digo “um pouco”, é preciso entender que, tal como a descrição que fiz anteriormente sobre as múltiplas facetas desse país está muito longe de esgotar o todo de sua complexa realidade, o que será apresentado aqui também estará muito longe de descrever as minúcias do processo de desenvolvimento do país, desde os tempos antigos, passando pelo período colonial até chegar aos dias atuais. Por se tratar de um tema um tanto extenso – a despeito de ter como intuito de ser um resumo – o artigo será dividido em duas partes, com esta primeira tratando da história econômica do país desde o período pré-colonial a 1947, quando o país conquista sua independência dos colonizadores britânicos.

Sem mais delongas, vamos fazer nosso tour.

Índia pré-colonial

A história da Índia pré-colonial [5] tem seu início com o surgimento e florescimento da civilização do Vale do Indo, no período compreendido entre 3.500 a.C. e 1.800 a.C. Naquele período, sua economia era essencialmente baseada no comércio, facilitado pelos avanços nos transportes. Entre os itens comercializados, estavam: terracota (um tipo de argila), potes, miçangas, metais (inclusive nobres, como ouro e prata), além de pedras preciosas (como turquesa e lápis-lazúli). Naquele período, uma das principais rotas comerciais era em direção à Mesopotâmia, onde vendiam ouro, cobre e joias.

Avançando rapidamente os ponteiros da história para 600 a.C., os Mahajanapadas (grandes reinos) passaram a cunhar moedas de prata perfuradas, e, para além do desenvolvimento do comércio já existente, também foi um período marcado pelo crescimento urbano. E, em torno de 300 a.C., quando o Oriente Médio estava sob domínio dos impérios gregos (selêucida e ptolomaico), a maior parte do subcontinente indiano se unia sob o Império Maurya (321-185 a.C), e a unidade político-institucional resultante permitiram um sistema econômico comum, além de melhorar a produtividade da agricultura e o desenvolvimento do comércio. Recursos consideráveis foram gastos em construção e manutenção de estradas, e a combinação disso com maior segurança, maior uniformidade das medições e o incremento do uso de moedas ajudaram a melhorar o desempenho deste último setor.

Ao longo dos 1.500 anos seguintes a Índia produziu civilizações clássicas exuberantes em termos de riqueza, sendo que a estimativa para esta entre os séculos I e XVII era de não mais nem menos que a maior economia do mundo antigo e medieval, controlando entre um quarto e um terço de tudo que era produzido no planeta.

No período Mughal (1526-1858), a Índia desfrutou de uma prosperidade sem precedentes na história, com o PIB do país, durante o século XVI, sendo estimado em cerca de um quarto da economia mundial. No período do imperador Akbar, no ano 1600, estimava-se que seu tesouro anual tinha uma receita de 17,5 milhões de libras esterlinas (para se ter ideia, todo o tesouro da Grã-Bretanha, 200 anos depois, totalizava 16 milhões). Sendo a segunda força da economia mundial, o Império Mughal se expandiu para quase 90% do sul da Ásia, impondo um sistema uniforme de administração aduaneira e fiscal.

No século XVIII, os Mughais foram substituídos pelos Marathas em grande parte do centro indiano, enquanto existiam outros pequenos reinos regionais que eram, em sua maioria, vassalos tardios dos Mughais, como os Nawabs no Norte e os Nizams no Sul. Em meados desse período, o domínio britânico começou a crescer na Índia, e a fase de declínio de sua indústria começou.

Domínio britânico na Índia

Apesar de o domínio britânico [5] ter ganho força na Índia em meados do século XVIII, conforme finalizado na seção anterior, os primeiros contatos [6] destes com os indianos ocorreram entre 1611-12, e as razões para isso são diversas: aventura, razões de Estado, comércio e pilhagem, em um contexto de plena decadência da civilização medieval cristã tradicional. Perceberam, logo, a necessidade de se consolidar uma base territorial, a fim de tornar o comércio mais vantajoso para os britânicos que, mantendo representantes na Índia, poderiam negociar produtos agrícolas a preços mais baratos. E, por isso mesmo, estabeleceram fortes e armazéns por lá, bases da expansão do domínio territorial britânico.

Cabe lembrar que, antes disso, ainda em 1600, os britânicos, com licença da rainha Elizabeth I, criaram a Companhia das Índias Orientais, rivalizando com a Companhia Holandesa das Índias Orientais (do holandês, Vereenigde Oost-Indische Compagnie – VOC), a fim de desenvolver o comércio naquela região. Conhecida como “Casa da Índia”, o empreendimento inglês, um tipo de parceria público-privada que envolvia o Estado, donos de navios, mercadores e bucaneiros (piratas originários do Caribe), superou o holandês, organizando sua própria força militar e tornando-se um Estado dentro do Estado.

As relações entre a sociedade britânica e os ingleses que foram à Índia sofreram várias mudanças entre os tempos isabelinos e o século XX, mas o período entre 1750 e 1850 foi o que mais teve transformações, em que, de organizados em busca de comércio e pilhagem, os britânicos passaram ao status de “senhores da Índia”. A partir de 1757, a Companhia das Índias Orientais, cujo poder político se expandia gradualmente, utilizou a maior parte das receitas geradas pelas províncias sob o seu domínio para a compra de matérias-primas, especiarias e produtos indianos, cessando completamente o fluxo contínuo de ouro que costumava entrar na Índia por conta do comércio exterior.

O governo colonial usou as receitas da terra a fim de travar guerras na própria Índia e na Europa, deixando muito pouco para o desenvolvimento local. Assim, em um espaço de apenas 80 anos (1780-1860), a Índia, sob o domínio britânico, deixou de ser um exportador de produtos processados (cujo pagamento era em metais preciosos), para ser um exportador de matérias-primas e consumidor de manufaturados. Enquanto que na década de 1750 algodão e seda finos eram os principais produtos de exportação da Índia para Europa, Ásia e África, um século mais tarde eram o algodão cru, o ópio e o índigo representavam a maior parte das exportações.

A Companhia das Índias Orientais tinha sede em Londres, e o governo-geral era estabelecido em Calcutá. Possuía delegação de poderes do governo britânico e, ao mesmo tempo, exercia atividades típicas de uma empresa especializada no comércio colonial. Entre o século XVIII e o começo do XIX, a companhia organizou diversos sistemas de arrecadação: em Bengala, os responsáveis eram os zamindar (coletores de impostos nos tempos dos mongóis, agora reconhecidos como proprietários rurais privados); no sul, pelos ryotwari (cada camponês era responsável pessoalmente no campo fiscal); no nordeste, pelos mahalwari (o imposto recaía coletivamente sobre as aldeias). Os dirigentes do sistema fiscal, que também exerciam funções administrativas e judiciárias (era comum a mesma pessoa acumular diferentes funções), eram todos ingleses, enquanto que os indianos eram aceitos apenas em postos subalternos.

Tais medidas, mencionadas no parágrafo anterior, afetaram a sociedade tradicional indiana: alterou o estatuto do solo, até então prerrogativa do Estado e que passou a ser objeto de apropriação privada; novas relações econômicas foram introduzidas nas aldeias, estas empobrecendo os camponeses e deixando-os dependentes de agiotas em anos de colheita ruim, com tendência também a comercializar a produção, comprometendo o equilíbrio e a autossuficiência da economia campesina; grandes cidades manufatureiras do interior, como Dacca, Patna, Nagpur e Ahmedabad sofrem perdas populacionais, ao contrário de regiões portuárias, centros do processo de subordinação da economia indiana ao imperialismo britânico, como Calcutá e Bombaim.

Com essas mudanças, as regiões de maior atividade econômica no planalto de Deccan ou na planície indo-gangética, cuja prosperidade estava no equilíbrio das culturas alimentares, industriais e do artesanato, entram em declínio, ao passo que as zonas de produção de matérias-primas, como algodão bruto, e as zonas comerciais ligadas ao comércio britânico passam a crescer. Consequentemente, a miséria nos campos se amplia, gravando-se com a ruína do artesanato, e a infraestrutura utilizada para a manutenção dessas estruturas não passa pela devida manutenção nesse período. Nesse período, a população indiana estava sujeita a fomes frequentes, tinha uma das menores expectativas de vida do mundo, sofria de subnutrição generalizada e era, em grande parte analfabeta. Segundo o economista Angus Maddison, a participação da Índia na renda mundial despencou de 27% no ano 1700 (a Europa tinha participação de 23%) para apenas 3% em 1950, pouco depois de sua independência.

Esse quadro, somado à postura opressiva e abusiva da metrópole para impor os termos econômicos das relações com sua colônia, ajudou a fermentar insatisfações no povo indiano. Entre os anos de 1857 e 1858, houve uma revolta, dirigida pelas velhas classes dominantes indianas, mas esta, a despeito do apoio massivo da população, não tinha poderes e organização para enfrentar os britânicos, e foi derrotada em 15 meses. A partir de então até 1919, o imperialismo britânico não foi grandemente ameaçado na Índia, seja pelo fato de os movimentos opositores ao domínio serem muito heterogêneos e com dificuldade de entendimento. Além disso, as autoridades britânicas mudaram sua política em relação aos principados indianos, tentando manter suas respectivas sociedades em seus respectivos lugares em vez de destruí-los.

Sendo assim, o movimento nacional passa a ser dirigido pelos intelectuais ocidentalizados e a burguesia comerciante moderada, cujas ideias destes estavam presentes na fundação do Congresso Nacional Indiano (CNI), em 1885: pedia maior participação indiana nos conselhos legislativos britânicos (de Calcutá e das províncias) ou a admissão de indianos em postos-chave no Indian Civil Service, cuja maioria esmagadora era composta por britânicos, com os indianos colocados em postos regionais e subalternos. Mesmo inicialmente moderado, poucos resultados concretos foram alcançados.

No entanto, após a Primeira Guerra Mundial, o movimento independentista ganhou novo impulso, incorporando questões econômicas e sociais a algo exclusivamente político, e uma contestação crescente à ocidentalização da classe intelectual (essa contestação teve origem nas ideias de Tilak, ainda no final do século XIX). Foi neste período que surgiu a figura política de Gandhi e seu movimento de não-cooperação e não-violência, a formação de vários sindicatos, o surgimento da ala esquerda do CNI, liderada por Nehru e Bose (autodeclarada socialista) e a fundação do Partido Comunista Indiano, influente nas organizações operárias e camponesas. Por sua vez, a reação do imperialismo britânico a esse movimento e suas diferentes facções foi se limitou à forma política, e recursos brutais como assassinatos e prisões também eram empregados a fim de conter o movimento nacional – Tilak foi preso por duas vezes e Nehru, por oito vezes.

A partir dos anos 1920, Gandhi torna-se figura de suma importância dentro do movimento nacional e do CNI, aproximando os camponeses do partido, tornando o mesmo uma organização de massas. Nesse momento, os britânicos queriam ganhar tempo, visto que tomavam por certo que a independência da Índia viria, mas almejavam um processo mais conveniente aos seus interesses. E, para isso, tentaram romper a unidade da Índia, algo que só foi possível pela questão religiosa, visto que nem mesmo o sistema de castas ou as diferenças linguísticas eram suficientes para abalar os independentistas.

As ideias de Tilak ao final do século XIX, por sua vez, tinham uma aproximação entre o hinduísmo e o movimento nacional, ainda que o CNI não assumisse posição religiosa, isso causou descontentamento entre setores da minoria muçulmana, que se organizaram e, em 1906, fundaram o grupo político Liga Muçulmana. Os britânicos contribuíram com esse processo de divisão, destacando as áreas muçulmanas, com direito à representação separada. Quando a Índia se tornou independente, em 1947, as regiões de maioria muçulmana formaram o novo Estado do Paquistão.

Na segunda parte deste artigo será abordado o desenvolvimento econômico da Índia a partir de sua independência, e as múltiplas transformações que o país passou em mais de três quartos de século enquanto Estado moderno. Até a próxima.

[1] Formado em Engenharia de Produção, Especialista em Gestão Pública e servidor público

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