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Unasul: É possível ocorrer uma reestruturação após a quase extinção da organização?

A União das Nações Sul Americanas (Unasul) é uma organização que nos últimos anos passou por inúmeros reveses, praticamente sumindo do horizonte multilateral do continente. Com a ascensão de governos do espectro político de centro-direita e direita, diferentes países saíram do órgão, e buscaram a criação de outra instância, chamada PROSUL.

Entretanto, com os resultados eleitorais dos últimos anos, o cenário sul-americano parece ensaiar uma nova onda rosa, ainda que possivelmente não mais contando com a Argentina, que possui um candidato de direita com um desempenho bem forte nas pesquisas, Javier Milei.

Em maio de 2023, líderes de 11 países do continente se reuniram em Brasília. A empreitada brasileira, capitaneada pelo presidente Lula, não parece ter surtido o efeito esperado de ressurgimento do bloco. O Brasil, desde abril, afirmou a intenção de voltar ao bloco. Na reunião, embora os presidentes da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Suriname, Uruguai, Venezuela e um representante do Peru estivessem presente, surgiram desacordos. Um dos principais pontos de contenda foi a situação da União das Nações Sul-Americanas (Unasul). Tanto o Brasil quanto a Argentina, as duas maiores economias da região, apoiam a continuidade do bloco criado em 2008, mas encontram obstáculos e resistências.

O presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, disse durante a cúpula que é preciso parar de "criar organizações" e partir para a ação. O presidente do Chile, Gabriel Boric, também já questionou a legitimidade do bloco em ocasiões anteriores. Durante sua fala na abertura do evento, Lula defendeu a Unasul, mas ressaltou defender o diálogo e afirmou não ter "ideias pré-concebidas sobre o desenho institucional futuro que poderíamos adotar".

No documento do "Consenso de Brasília", a Unasul não é citada, mas é defendida a criação de um "grupo de contato, liderado pelos Chanceleres, para avaliação das experiências dos mecanismos sul-americanos de integração e a elaboração de um mapa do caminho para a integração da América do Sul, a ser submetido à consideração dos Chefes de Estado".

Outro ponto de divergência envolveu a Venezuela. O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, foi recebido por Lula e, na ocasião, o presidente brasileiro afirmou que o país vizinho estava sendo vítima de uma "narrativa" que o acusava de "anti democracia" e "autoritarismo".

Essas declarações de Lula foram alvo de críticas por parte de Lacalle Pou e Boric. Durante uma coletiva de imprensa, o líder chileno declarou que a Venezuela não era objeto de uma "construção narrativa" e expressou seu desacordo de maneira "respeitosa" em relação a Lula. Lacalle Pou, por outro lado, transmitiu suas observações durante a cúpula por meio do YouTube e disse que ficou "surpreso" com as palavras do presidente brasileiro.

O texto do "Consenso de Brasília" aborda o "fortalecimento da democracia" e aborda outros temas como a crise climática, a "promoção da transição ecológica e energética", bem como estabelece como objetivo a criação de uma efetiva "área de livre comércio sul-americana".

Conforme o Coronel Paulo Filho, a busca pela integração sul-americana não é um tema recente. Na verdade, até o próprio nome da região, "América do Sul", representa uma tentativa de superar conceitos externos que foram impostos à região, como o "Hemisfério Ocidental" dos Estados Unidos, o "pan-americanismo" que inspirou a criação da Organização dos Estados Americanos (OEA), a Doutrina Monroe e o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar), bem como o conceito francês de "América Latina", criado para estabelecer um vínculo entre a França e suas possessões nas Américas.

No século 20, os geopolíticos brasileiros dedicaram grande parte de seus estudos à integração sul-americana, que consideravam uma necessidade vital para os interesses do Brasil. Dois exemplos notáveis são os generais Mário Travassos e Carlos de Meira Mattos.

No livro "Projeção Continental do Brasil", escrito em 1935, Mário Travassos identificou dois fatores que geram antagonismos e, consequentemente, separação entre os países sul-americanos. O primeiro era a presença da Cordilheira dos Andes, que separava os Estados voltados para o Atlântico dos Estados voltados para o Pacífico, fazendo com que eles se voltassem "de costas" uns para os outros. O segundo fator era a existência das duas principais bacias hidrográficas na vertente do Atlântico, que separavam os Estados da região amazônica dos Estados platinos. Para superar essas divisões geográficas, Travassos argumentava, já na década de 1930, que era necessário construir uma infraestrutura adequada de transporte e comunicação que integrasse todo o continente sul-americano. Somente assim, segundo ele, o Brasil poderia expressar sua "imensa projeção coordenadora" no cenário político e econômico da América do Sul.

Na segunda metade do século 20, Meira Mattos baseou seu pensamento geopolítico nos princípios estabelecidos por Travassos, a quem considerava seu mentor. Embora tenha ampliado o escopo de atuação de Travassos, aspirando a uma projeção global para o Brasil, ele manteve um foco constante na preocupação com a integração do subcontinente sul-americano. Em um artigo publicado em 2004, quando já tinha 91 anos, Meira Mattos enfatizou que uma geopolítica de integração entre os países da região não pode ser estabelecida apenas com a força de uma vontade política vigorosa e uma diplomacia esclarecida e dinâmica. É essencial criar uma estrutura para essa integração". Nesse contexto, Meira Mattos já apontava para a necessidade de unificar os três acordos regionais de integração então existentes: o Mercosul, o Pacto Andino (hoje Comunidade Andina de Nações) e o Pacto Pan-Amazônico (hoje Organização do Tratado de Cooperação Amazônica - Otca). O general concluía com uma crítica contundente: "Está faltando um impulso diplomático unificador que revise esses acordos, amplie seus objetivos e os articule, dotando-os de mecanismos de estímulo econômico de interesse mútuo". Atualmente, talvez por esses e outros fatores, a falta de articulação continental dos países sul americanos levou até o cúmulo do presidente francês manifestar a vontade de fazer parte da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, por conta da presença de sua porção ultramarina, a Guiana Francesa.

Para o Coronel, o ressurgimento da UNASUL é um objetivo da Política Externa Brasileira. Ele considera também que, mais importante que não repetir e superar os erros passados, os objetivos da integração devem se dar em termos estratégicos com definição clara. Isto é, com enfoques no benefício mútuo ao invés de girar em torno de posições políticas que são modificadas com as transições eleitorais e trocas de governo dos países, o que prejudica a efetiva integração da região.


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