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Uma opinião (não tão popular) sobre a Rede Globo

A Rede Globo de Televisão, segunda maior emissora do mundo – atrás apenas da norte-americana ABC – e a maior emissora do Brasil, e com 57 anos de existência, é uma das instituições que dividem opiniões no país: alguns amam e outros, simplesmente, amam odiar. E, por se tratar de uma emissora quase onipresente, com cerca de 98,6% dos municípios e 99,5% da população coberta – fato esse corroborado anedoticamente pela sua presença quase certa em bares, restaurantes e salas de espera de consultórios e hospitais –, não se pode negar, ignorar ou minimizar seu poder de influência na cultura e opinião pública.

Tal poder e influência pôde – e ainda pode – ser observado nas controvérsias em que a emissora se envolveu ao longo de sua história, algumas delas notórias como seu apoio ao regime militar, a edição no último debate presidencial de 1989 que favoreceu Fernando Collor em detrimento de Lula, o famoso direito de resposta ganho por Leonel Brizola em pleno Jornal Nacional, diversas coberturas de eleições, do julgamento do Mensalão e da operação Lava Jato. Isso sem falar o embate quase constante entre a emissora e o governo Bolsonaro nos últimos quatro anos.

Dito isso, é natural que a Vênus Platinada (sim, esse é um dos apelidos dados à emissora carioca) seja alvo de críticas – algumas delas bastante pesadas – à esquerda e à direita no espectro político. Eu mesmo tenho as minhas, mas, independente delas, cabe aqui apresentar um ponto muito importante para o entendimento da postura da emissora, sobretudo nos últimos anos: enquanto muitos alegam que a Globo seria “de direita” ou mesmo “fascista” por se opor as pautas econômicas da esquerda, outros alegam que a Globo seria “de esquerda” ou mesmo “comunista” pela defesa de pautas progressistas e identitárias nos costumes.

Tais alegações representam uma visão incompleta do que, importando uma expressão do jornalismo, é a “linha editorial” da emissora. No já mencionado jornalismo, sobretudo quando se aborda o noticiário econômico, fica patente o posicionamento – via de regra – liberal dos apresentadores dos telejornais diários, em que medidas mais intervencionistas por parte do governo no campo econômico são vistas com algum grau de desconfiança. Já quando o assunto é entretenimento – sobretudo nas bem conhecidas novelas – a defesa de pautas liberais (e, nos últimos dez anos, de tendência progressista e identitária) nos costumes tem sido cada vez mais recorrente.

Portanto, sendo bastante genérico, as “duas Globos”, se podemos chamar dessa forma, não se contraditam como muitas vezes direita e esquerda creem, mas se completam em um coerente e coeso ponto de vista liberal social: economicamente liberal (ainda que defenda alguma participação do estado em programas sociais), moralmente progressista e cosmopolita em relações internacionais. Basicamente, reproduz a visão de mundo do mainstream do Partido Democrata dos EUA, Partido Liberal do Canadá e, em menor grau, do Partido Trabalhista britânico (digo em menor grau, pois o “Labour” atual está um pouco mais à esquerda que nos tempos do badalado Tony Blair).

Em outras palavras: esquerda e direita criticam a Globo pelas partes, e não pelo conjunto da obra que, muitas vezes, representa o Brasil não como ele de fato é, mas sim com a ideia de que, em algum momento no futuro, ele venha a ser de acordo com a visão preconizada pela emissora carioca (quem não se lembra da campanha “O Brasil que eu quero” de 2018?). Visão essa que, em minha opinião (entrarei em detalhes sobre isso numa outra oportunidade), é contrária aos valores e interesses nacionais.

No entanto, e aí posso parecer o advogado do diabo nessas horas, defender o fim da Globo – ou sua suplantação por outra emissora – como alguns pregam, pode parecer tentador, mas me parece temerário. Afinal de contas, ainda estamos falando da segunda maior emissora do mundo e a maior do Brasil, com ampla cobertura em termos territoriais e de população e cuja qualidade de suas produções é competitiva, visto que seus conteúdos de entretenimento são vistos – e bem aceitos – em vários países. Resumindo: estamos falando de um gigantesco ativo de soft power que, em vez de ser ignorado ou descartado, precisa ser trabalhado, lapidado, depurado.

Não tenho uma receita de bolo para isso, mas um governo que queira defender os interesses nacionais deveria fazer tornar a Globo não uma rival, mas uma aliada na propagação e construção da cultura e dos valores nacionais. Em outras palavras, o objetivo é fazer com que a emissora carioca trabalhe para o país, aos moldes do que o governo da Coreia do Sul fez ao investir na indústria cultural de lá. Sim, teve muitas “digitais” do governo sul-coreano na ascensão do k-pop e de séries hoje famosas no mundo todo, como Round 6. Precisamos seguir este caminho. Até a próxima.

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