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Um governo Denorex

Nos anos 1980, existia uma marca de shampoo que se tornou conhecida por um slogan: Denorex. Seu bordão, “parece remédio, mas não é”, caiu na boca do povo, que passou a parafraseá-lo para diversas situações do dia-a-dia em que as aparências podem levar a uma conclusão equivocada. Quando isso ocorre, pode-se dizer que isso é uma situação Denorex. Parece, mas não é.

Avançando cerca de quatro décadas no tempo, chegamos ao terceiro mandato do presidente Lula, cuja eleição comentei brevemente em um artigo ano passado neste portal (e já tive uma oportunidade de comentar em um vídeo no canal no YouTube). Apesar de termos cerca de um mês e meio de governo, a impressão que se tem é que este já tem, pelo menos, um semestre, diante da rápida sucessão de acontecimentos.

Mas não é propriamente isso que irei abordar, muito embora seja parte do contexto deste governo recém-iniciado e, ao mesmo tempo, ultrapassado em certos aspectos. Pelo fato de não ter o infame “cercadinho” e os momentos igualmente infames de impropérios contra a “extrema-imprensa”, Congresso, STF e outras “Genis”, o governo Lula parece normal. Mas – e aí que entra a analogia com o slogan do Denorex – não é.

Para começo de conversa, a comunicação do atual governo, ainda que não protagonize episódios tétricos como os do anterior, já começou obsoleta. Não estamos mais em 2003, ano em que o saudoso Orkut sequer tinha nascido e que qualquer coisa dita no Jornal Nacional ou em outro telejornal da Rede Globo seria imediatamente tomada como verdade até prova em contrário. Estamos em 2023, em que qualquer informação que cai em grupos de WhatsApp ou Telegram se espalha de forma exponencial. A polêmica em torno do auxílio-reclusão, por exemplo, só não desgastou ainda mais o governo graças a setores da imprensa tradicional que se empenharam em colocar o tema nos devidos pinos.

Não menos anormal é a postura por vezes voluntarista de alguns de seus ministros, postura essa que, ultimamente, se reproduz no próprio presidente Lula (abordarei este ponto mais tarde). Ora temos Ministro da Previdência falando que a previdência social não era deficitária e que a reforma aprovada em 2019 deveria ser revista, ora temos Ministro do Trabalho falando em acabar com o saque-aniversário do FGTS (para recuar em seguida)… Isso apenas se tratando da primeira semana de governo.

E quanto ao próprio Lula, a recente postura de confronto com o Banco Central é mais uma evidência de que a aparente normalidade de seu governo só vai à página dois: como disse em um comentário no Twitter, se o presidente quer rever a autonomia da autoridade monetária, cabe a ele descer do palanque e encaminhar ao Congresso um projeto de lei para tal finalidade. No momento em que escrevo este artigo, soube que o PSOL entrou na frente nesse sentido, o que, no contexto atual, servirá apenas para sepultar a discussão.

E isso sem falar de casos como o da Ministra do Turismo envolvida com milicianos – o que é irônico se considerar que uma das críticas dos petistas a Bolsonaro era a proximidade de seu clã com as milícias do Rio de Janeiro, e mais irônico ainda se considerar que Marcelo Freixo, que foi uma das principais figuras da CPI das Milícias quando deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio, presidirá a Embratur, que está sob o guarda-chuva justamente desta ministra. Ou ainda do Ministro das Comunicações, que usou o Orçamento Secreto – igualmente criticado pelos petistas no governo Bolsonaro – para asfaltar uma estrada de terra para sua própria fazenda… Ou ainda o mergulho de cabeça em pautas da esquerda “woke” como o uso de linguagem neutra. Um governo de todos, todas e, agora “todes” (argh!).

A política externa do novo governo Lula é outro aspecto que parece mas não é: se por um lado critica-se a submissão do interesse nacional a pautas ideológicas importadas durante governo Bolsonaro (como o alinhamento quase automático aos EUA sob o governo Trump), por outro o petista se aproxima de forma temerária dos norte-americanos sob o governo Biden, hoje presidente e, na época em que era vice de Barack Obama (sim, o que dizia que Lula era “o cara”), o Estado norte-americano conduziu uma espionagem massiva em diferentes setores do Estado brasileiro. Sem falar na aproximação com a União Europeia, em que um dos líderes de um dos principais players do bloco, Emmanuel Macron (presidente da França), chegou a relativizar a soberania brasileira sobre a Amazônia. Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém…

Em suma: até agora tudo o que temos de Lula, até agora, é um governo Denorex. Parece, mas não é. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos. Até a próxima.

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