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Trump, Biden, Harris e a “eleição do fim do mundo” nos EUA

Marcos Jr. [1]

Os acontecimentos das últimas semanas na campanha às eleições presidenciais nos EUA, o evento político mais esperado do Ocidente e um dos mais esperados do mundo serviram para dar o tom da disputa que, mantendo o curso de momento (leia-se: no momento em que escrevo), tende a ser a mais titânica em pelo menos um século.

Só neste meio-tempo tivemos: a performance desastrosa de Joe Biden, presidente dos EUA e então pré-candidato democrata à reeleição, causando crescentes contestações por parte dos doadores e da cúpula do partido sobre sua viabilidade; o atentado a tiros contra Donald Trump, o candidato republicano que por muito pouco não foi fatalmente atingido, e cuja imagem de punhos cerrados, demonstrando força após quase ser assassinado contrastava com a patente fraqueza de Biden – aumentando ainda mais as pressões sobre o democrata; e, por fim a desistência de Biden da candidatura democrata abrindo caminho para um novo nome para disputar a Casa Branca com Trump e este, no que depender dos delegados que votarão para indicá-lo [2] será o de Kamala Harris, vice-presidente e, naturalmente, o nome favorito à nomeação, a despeito de outros terem sido ventilados como: Michelle Obama, Hillary Clinton ou ainda Joe Manchin (este correndo bastante por fora).

Creio do que muito do que será dito aqui não é novidade alguma para aqueles que acompanharam as transmissões recentes relacionadas à corrida eleitoral americana no canal do Brasil Grande [3] no YouTube®, seja sobre a recente condenação [4] de Trump na Justiça – fato não mencionado antes, mas não menos relevante; seja sobre o já mencionado atentado a Trump [5]; seja ainda sobre a recente desistência de Biden [6] do posto de candidato democrata (também recomendo o vídeo [7] recém-publicado no canal do Frederico Krepe sobre o tema). Mas, acredito ser pertinente apresentar – e organizar – alguns pontos de forma a termos um fio condutor sobre essa disputa e seus possíveis desdobramentos, inclusive no Brasil.

O primeiro ponto é que a desistência de Biden, da forma como se deu o processo para se chegar à carta aberta [8] publicada no último domingo, dia 21/07, foi um mero ato pro forma: o pré-candidato democrata já tinha sido “desistido” pelos principais nomes do partido, haja vista que as doações à campanha dele [9], no intervalo entre o desastroso debate contra Trump [10] e sua respectiva desistência, praticamente cessaram. E quem acompanha minimamente a política americana sabe que uma eleição, sobretudo uma presidencial, precisa de muito dinheiro.

A dúvida sobre a viabilidade de Biden para derrotar Trump tornou a inviabilidade uma profecia autorrealizável. O presidente dos EUA tinha duas opções bem claras: buscar uma saída ainda honrosa para que seu partido realizasse a devida contenção de danos, ou insistir na candidatura, levar os democratas a uma inusitada rebelião aberta contra seu pré-candidato que vencera as prévias, e piorar ainda mais a situação, contaminando as disputas na Câmara, Senado e nos governos estaduais.

O segundo ponto é que a desistência de Biden da disputa – bem como a presumível indicação de Harris para ser a candidata democrata à Casa Branca – se trata, como mencionei de uma contenção de danos promovida pelo establishment [11] do partido, pelo menos por enquanto. No entanto, algumas dúvidas surgem: alguém realmente acredita que um pré-candidato até então com sua saúde mental inconteste – não custa nada lembrar o post [12] de Raquel Krähenbühl, correspondente da Rede Globo em Washington, afirmando com base em conversas com autoridades do governo Biden que o presidente era “energético”, “afiado” e “engajado” – tornou-se, em cerca de cinco meses e meio, alguém que mal conseguia concatenar palavras mesmo após se preparar por dias recluso em Camp David [13]?

A propósito, se Biden não está com as faculdades mentais em dia para um eventual segundo mandato, como ele estaria para exercer o mandato de presidente dos EUA, a maior potência econômica e militar do planeta? Se ele não está, quem está exercendo, de facto, os poderes dele em seu lugar? As respostas possíveis, sem (tanta) margem para teorias conspiratórias, apontariam para dois nomes: Kamala Harris, a vice-presidente e agora candidata presumível; e Jill Biden, esposa de Joe e primeira-dama. Alias, nota alguma semelhança com um arranjo similar no atual cenário político em um certo país continental nas Américas, abaixo do Equador? Voltarei a esse ponto mais adiante.

O terceiro ponto é que, se quando se testava a candidatura de Harris como possível nome no lugar de Biden, ela aparentava um desempenho pior contra Trump em relação ao atual presidente, agora, com ela sendo praticamente candidata e a possível escolha de um nome mais moderado para companheiro de chapa, a fim de atrair eleitores independentes e de swing states (os estados-pêndulo, que alternam o voto entre democratas e republicanos), a situação pode mudar um tanto de figura. As baixas expectativas iniciais, no sentido de a nova candidatura aparentar uma simples contenção de danos, podem levar os republicanos a subestimarem uma possível evolução de Harris. Mesmo que ela perca – e acredito que, se a eleição fosse hoje, ela perderia – seria uma derrota vendida a um preço muito maior em relação a Biden.

Em outras palavras, Harris, a presumível candidata democrata à presidência dos EUA, irá para a disputa com o mínimo possível a perder, e um sinal claro disso é seu primeiro discurso como pré-candidata [14] em um comício, bastante enérgico por sinal, ao dizer que enfrentou “criminosos de todos os tipos” e que conhece “o tipo de Donald Trump”. Lembrando que, antes de ser a atual pré-candidata, vice-presidente e ter tentado a indicação dos democratas ainda em 2020, ela era procuradora-geral no estado da Califórnia, e sua atuação linha-dura desagradou os mais progressistas na época.

Por fim, mas longe de esgotar o tema (que promete novos desdobramentos) o quarto ponto tem que ver com as reverberações dessa disputa eleitoral no cenário brasileiro para 2026 (que é logo ali). Lula, hoje, tem 78 anos, e quando presumivelmente disputar a reeleição, terá 80, apenas um a menos que Biden por ocasião da desistência deste. Considerando que o atual governo do petista é no máximo sombra do que foi nos “áureos tempos” entre 2003 e 2010 [15], o que garante que este, daqui a dois anos estará em cognição razoável para um segundo mandato? A propósito, os petistas têm, por acaso, um “plano B” palatável caso Lula venha a desistir?

E isso independe dos possíveis adversários, seja Tarcísio, Zema, Caiado ou mesmo o próprio Bolsonaro caso resolvam restaurá-lo politicamente, como o próprio Lula foi. Da mesma forma que o próprio Biden foi “tirado da geladeira” para derrotar Trump em 2020. Aliás, um aspecto que se nota da política brasileira é que cada vez mais esta vem se aproximando de uma cópia – porca, diga-se de passagem, da americana. Até mesmo o putsch [16] de 08/01 do ano passado foi uma tentativa malfeita de imitar o 06/01 do Capitólio.

Aliás, não menos engraçadas são as reações emocionadas de certos setores colonizados (verdade seja dita) da esquerda em relação às recentes mudanças no jogo político de lá, acreditando piamente que uma vitória democrata, em oposição a um – ainda mais provável, acredito – retorno de Trump à Casa Branca, serviria como “seguro de vida” ao frágil governo Lula e à continuidade do petismo. Como se esquecessem que o processo de espionagem e desestabilização do Brasil [17] que culminou com a ascensão de Bolsonaro não tomou forma no mandato do republicano Trump, mas sim no mandato do democrata Obama, sendo que Biden era o vice naquele período. Não importa quão diferente e bonito possa ser o olho da cobra, o que importa é a natureza dela, que é a de picar.

Em suma, temos um novo jogo: aberto, imprevisível, mas, que independente do vencedor, promete ser, como disse antes, uma disputa titânica pelo cargo que, no momento ainda é o mais poderoso do planeta. E não menos importante são os questionamentos que merecem ser feitos ao próprio estado de coisas dos EUA, já há algum tempo anômalo. Mas, isso é tema para um outro artigo. Até a próxima.

[1] Formado em Engenharia de Produção, Especialista em Gestão Pública e servidor público.

[11] Entende-se por “núcleo duro”, uma ordem ideológica política, de base econômica e com estrutura legal dando forma a uma sociedade ou a um Estado.

[13] Espaço isolado, rural utilizado pelo presidente dos Estados Unidos, local onde são realizadas reuniões do chefe de estado e até assinatura de tratados com outros chefes de estado. Localizado na região de colinas de Catoctin Mountain Park, estado de Maryland.

[16] O mesmo que golpe.

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