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Sobre o suposto fim do saque-aniversário do FGTS: algumas considerações

A primeira semana de governo Lula, ainda que tenha parecido morna perto do frenesi gerado a cada declaração dos membros do governo Bolsonaro (inclusive o próprio presidente), não começou isento de polêmicas. Uma delas foi a proposta de Luiz Marinho (PT), atual Ministro do Trabalho, de acabar com a modalidade de saque-aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), posteriormente alvo de recuo pelo próprio líder da pasta.

A proposta, evidentemente, gerou polêmica tanto na imprensa como nas redes sociais – talvez por isso que o Ministro recuou neste primeiro momento. Um dos comentários que me chamou a atenção, favorável à proposta inicial, era que a medida seria correta, uma vez o fundo possui a finalidade de formar patrimônio e se resguardar no desemprego, bem como para o governo financiar habitação e saneamento. Diga-se de passagem, o comentário gerou muitas críticas, sobretudo de libertários (muito embora pessoas de perfil mais centrista também criticaram), alegando até mesmo que o autor do mesmo foi preconceituoso ao entender que o trabalhador não sabe gastar seu próprio dinheiro.

Antes de mais nada, é preciso, primeiramente, apresentar meu posicionamento: sou contrário ao fim do saque-aniversário do FGTS, muito embora eu tenda a não me opor a algumas restrições a essa modalidade – restrições essas que precisam ser debatidas previamente com as entidades representativas dos trabalhadores. No entanto, a fundamentação social apresentada pelo comentário que mencionei anteriormente está, ao menos em parte, correta: o fundo possui a finalidade de assegurar um patrimônio para o trabalhador ao longo de sua carreira laborativa.

Também vejo com muito ceticismo – para dizer ao mínimo – a premissa liberal mais exaltada de que o indivíduo sempre possui racionalidade maior que o Estado para empregar seus recursos. Afinal de contas, vivemos em um país em que pessoas em tese ricas e esclarecidas caem em golpes financeiros absolutamente bobos, como o de fazer Pix de X reais na esperança de receber 10X no dia seguinte. Em suma: a educação financeira do brasileiro no geral é péssima, e confiar plenamente nela é um tanto temerário. Tendo em vista que se trata da condição futura do trabalhador brasileiro que está em jogo, garantir meios de proteger a formação de um patrimônio é necessário.

Isso não significa que o FGTS não necessita de reformas de forma a assegurar maior rentabilidade, protegendo os recursos dos trabalhadores de perdas inflacionárias. Somente a partir de 2016, com uma mudança da política de distribuição de lucros do fundo, este passou a superar o IPCA, muito embora isso se reverteu novamente com a escalada da inflação em 2021. Inclusive uma das reformas que defendo para o fundo está no sentido de torná-lo um tipo de fundo de previdência complementar, de forma a assegurar uma aposentadoria mais generosa ao trabalhador.

A ideia não é nova: já foi defendida no artigo “Uma nova aposentadoria para os novos trabalhadores”, escrito pelo Prof. Hélio Zylberstajn (FEA-USP) na coletânea Mercado de Capitais, Agenda de Reformas e Ajuste Fiscal, referente a um evento realizado pelo Ibmec ainda em 2006. O artigo em questão propunha uma reforma da previdência muito mais ampla e ambiciosa que a aprovada no início do governo Bolsonaro, em 2019, já prevendo um modelo misto – parte de repartição, parte capitalização. Uma das variantes proposta pelo autor era empregar o FGTS como um pilar dessa segunda parte, complementando o valor da aposentadoria do trabalhador ao final da carreira dele.

Como disse, a proposta que defendo é não obrigar, mas incentivar o trabalhador a manter o dinheiro alocado no FGTS para essa finalidade de previdência complementar. Neste aspecto, o que defendo está em linha com a ideia de “paternalismo libertário”, conceito apregoado no livro Nudge, escrito pelo economista Richard H. Thaler (Prêmio Nobel de Economia em 2017) junto com o advogado Cass R. Sunstein: o Estado daria algum grau de liberdade ao trabalhador para alocar parte de seus recursos acumulados no fundo, mas daria incentivos para mantê-los alocados, de forma que estes retornassem no momento da aposentadoria. Acredito na racionalidade do ser humano, mas acredito mais ainda na limitação da mesma.

Em suma: o FGTS não deveria acabar, mas deveria ser reformulado, reforçando sua finalidade social primária: assegurar a formação de um patrimônio ao trabalhador. E, ainda que pudesse ser dada alguma liberdade para este alocar os recursos como preferir, incentivá-lo a empregar como uma forma de previdência complementar. E, por hoje, é só pessoal. Até a próxima.

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