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Silvio Santos e o “ordo ab chao”

Marcos Jr. [1]

No último sábado, 17 de agosto, a televisão brasileira sofreu a mais dura – e, podemos dizer, irreversível – perda de um talento quase secular: Silvio Santos, após 93 anos muito bem vividos e uma carreira que atravessou seis décadas e de características quase únicas acabou partindo em definitivo [2], após complicações decorrentes de uma gripe. A notícia da morte do empresário e apresentador caiu como uma onda de choque na TV brasileira, causando comoção nacional nos mais diversos setores da sociedade.

Não pretendo fazer uma biografia detalhada do Senor Abravanel – Silvio Santos era seu nome artístico – até porque há muitas disponíveis neste momento (basta uma breve pesquisa no Google). Tampouco pretendo entrar em detalhes sobre a repercussão de seu falecimento, sobretudo no âmbito da TV brasileira que vive hoje um período de enfraquecimento de sua posição outrora hegemônica, com o advento da Internet e dos serviços de streaming (muito embora eu pretenda voltar a esse ponto mais adiante). Mas cabe aqui, neste artigo, fazer uma reflexão sucinta sobre o que Silvio Santos simboliza às telinhas, e como sua partida reflete o fim de uma era.

Primeiramente, Silvio Santos foi para a TV brasileira o que Pelé foi para o esporte mundial: o maior de todos os tempos. Com um talento nato – e único – como comunicador e uma habilidade empreendedora ímpar, o “homem do Baú”, como seria conhecido em função do Baú da Felicidade, um de seus negócios, conseguiu cativar a atenção de milhões de brasileiros durante suas atrações, construir um império televisivo que chegou a disputar palmo a palmo audiência com a poderosa Rede Globo [3] – cabe frisar que Silvio, antes de fundar a rede de emissoras que mais tarde se tornaria o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), chegou a apresentar na “Vênus Platinada” e erguer um império empresarial igualmente poderoso.

A propósito, quando resolvemos nos ater aos talentos e habilidades de Silvio, não tem como não mencionar a forma um tanto “familiar” que ele conduziu o SBT, tanto pelo trato aos seus colaboradores como pela forma como lidava com os assuntos da emissora, inclusive no tocante à programação, esse em tese, um aspecto técnico e/ou artístico. Como um pai que por vezes precisa realizar correções repentinas para colocar as coisas em ordem na casa, Silvio não hesitava em fazer mudanças de última hora na grade na programação, seja para mudar horários de atrações, seja para simplesmente cancelar programas iniciados no dia anterior (ou mesmo prestes a começar). Era uma forma peculiar e um tanto curiosa, por que não, de conduzir a ordo ab chao – a ordem em meio ao caos que essas mudanças certamente traziam na rotina da emissora.

Isso, claro, exigia certa dose de criatividade, inventividade e capacidade de se adaptar as diferentes circunstâncias da TV brasileira ao longo das décadas, sobretudo na disputa pela audiência com as demais emissoras – um dos vários exemplos disso ocorreu ainda nos anos 1980 [4], quando o SBT inseria na programação Pássaros Feridos para competir diretamente com Roque Santeiro, um grande sucesso das novelas da Rede Globo. E, Silvio Santos tinha isso de sobra, seja no tocante à condução do SBT, seja na condução dos programas de auditório em que era o principal apresentador, com uma competência e – sobretudo – carisma ímpares, além da habilidade de improvisar e fugir dos roteiros prontos, muitas vezes sem a audiência perceber. A propósito, essas táticas era tão eficazes que a Globo, por diversas vezes, precisava se esforçar para não perder a hegemonia nas telinhas [5].

A partida de Silvio, sem dúvida, será uma grande perda no sentido de que a TV brasileira perdeu uma figura que amava – e, por que não, se divertia – fazendo seu trabalho de entreter e informar as famílias brasileiras. Famílias essas que, como Henrique Artuni colocou muito bem em seu artigo na Folha [6], ainda no último sábado, eram destacadas em aspecto e nuances mais ibero-americanas no SBT, em contraste com o padrão “cariococêntrico” da Globo. Todas as idades, todas as classes sociais e todos os diferentes grupos, em algum momento, se viam representados na emissora paulista.

Para além disso, como muito bem ponderado por Ricardo Feltrin em seu artigo no Estadão [7], o que temos com Silvio Santos nos deixando em definitivo é o marco do fim de uma era na TV brasileira: a era dos grandes apresentadores, em que ele era um arquétipo do ideal - alegre, espontâneo, criativo e que não hesita em “quebrar protocolos” a fim de se mostrar mais próximo de sua audiência. A atual leva de apresentadores dos programas de auditório aos finais de semana – a propósito, fica o questionamento se a morte de Silvio não acelerará o processo de declínio desse formato – em que pese a competência e carisma de alguns, não chega aos pés do então “manda chuva” do SBT. E, em tempos de concorrência com a Internet e o streaming, e com a forma burocrática que as emissoras vêm reagindo a essa disputa, fica o questionamento se as sucessoras do Senor Abravanel irão, de fato, estar à altura de seu pai.

As próximas semanas, meses e quiçá anos nos responderão. Gostaria de acreditar nisso, muito embora eu tenha pouco a crer nesse sentido. Até a próxima.

[1] Formado em Engenharia de Produção, Especialista em Gestão Pública e servidor público

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