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Segurança alimentar: por que isso importa?

Atualizado: 25 de set. de 2022

A alimentação é uma das necessidades mais básicas do ser humano em qualquer lugar do mundo. Está no primeiro grau das cinco categorias presentes na Teoria das Necessidades Humanas, elaborada pelo psicólogo norte-americano Abraham Maslow e que é mais conhecida como Pirâmide de Maslow, que hierarquiza as necessidades das pessoas. Sua insuficiência ou mesmo ausência, para além das doenças e mortes decorrentes, acaba sendo um fator que ajuda a deflagrar ou potencializar convulsões sociais ou mesmo guerras. A Primavera Árabe, do início dos anos 2010, não me deixa mentir.

Não menos notória é a força do agronegócio brasileiro (e incluo nisso a agricultura familiar): com um vasto mix de áreas agricultáveis, climas e solos, estamos entre os principais produtores e exportadores de grãos, frutas, verduras e legumes variados, além de carnes de bovinos, suínos e de frango para vários países. É uma das principais fontes de divisas para o país o que, ainda que existam controvérsias em relação à questão ambiental – algo que poderei abordar em outro artigo, e não se trata do único tipo entre as críticas existentes – trata-se de um aspecto meritório do setor.

Feitas essas colocações, cabe colocar à mesa um fato nada honroso diante de um panorama inicial tão bom: mais da metade dos brasileiros enfrenta algum quadro de insegurança alimentar. Apenas 41% de nossos compatriotas possuem acesso regular e adequado à alimentação. Para um país que tem no agro um de seus orgulhos nacionais, esse indicador, por si só, é simplesmente vergonhoso. Qualquer governo, independente de matiz ideológica, deveria trabalhar com urgência e afinco para reverter isso.

Há diversos fatores que levaram a esse quadro que fogem, em boa parte, do nosso controle: os choques nas cadeias de suprimentos causados pela pandemia de Covid-19 e, posteriormente, pela guerra entre Rússia e Ucrânia, bem como a estiagem ocorrida nos últimos dois anos em boa parte dos “cinturões” agrícolas brasileiros – para algumas culturas o problema foi justamente o oposto, o excesso de chuva, algo que deveria nos sensibilizar quanto às mudanças climáticas – ajuda a explicar esse quadro, uma vez que isso ajudou a estrangular a oferta no mercado interno, pressionando fortemente os preços para cima. Somado à atual conjuntura econômica do país, de baixo crescimento e desemprego ainda alto (abaixo dos 10%, mas ainda próximo desse patamar), isso explica, em parte, o atual quadro.

Contudo, escolhas equivocadas de política econômica e política pública – fatores que ao menos em parte os policymakers do governo têm algum grau de controle – também tem certa parcela de culpa no quadro atual. No caso da política econômica não irei me deter tanto, mas friso os equívocos da política monetária praticados entre 2020 e 2021.

Derrubar a taxa básica de juros para o mínimo histórico de 2% a.a. – e mantê-lo nesse patamar –, levando os juros reais àquele período em patamares negativos, algo que nos levou, àquela época, a um seleto grupo de países como EUA e boa parte dos países europeus, mas sem os mesmos fundamentos econômicos destes, ajudou a potencializar a fuga de capitais àquele período. Isso valorizou o dólar frente ao real, tornando mais vantajosas as exportações, o que, por sua vez, reduziu a oferta de alimentos ao mercado interno, pressionando os preços para cima já no primeiro ano da pandemia. E isso sem prejuízo na pressão direta em produtos que dependem de insumos importados, como o pão. Afinal, parafraseando um certo candidato presidencial, pão é trigo, e trigo (ainda) é dólar...

Mas vamos nos ater às visões míopes de política pública. Uma delas é o fim dos estoques reguladores de alimentos, que são armazenados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Medida cujas origens remontam ao Egito Antigo dos tempos bíblicos, os estoques reguladores são importantes para proteger tanto os produtores como os cidadãos dos imprevistos típicos da atividade agrícola (chuvas excessivas, secas, geadas, etc.), assegurando preços razoáveis às duas “pontas” da cadeia.

O desmonte dessa importante política pública deixa ambos vulneráveis às oscilações do mercado que, como vivenciamos nos dois últimos anos, podem trazer impactos diretos – e sérios. À guisa de comparação, a China possui não só um generoso estoque de grãos, mas também de fertilizantes. É o “sarrafo visível” do Estado, assegurando a segurança que nem sempre a “mão invisível” dos mercados é capaz de fornecer.

Outro equívoco está na própria concepção que temos em nossa política agrícola: tendo em vista que temos uma produção que não só é (potencialmente) capaz de abastecer o nosso país, mas também a vários países, o óbvio ululante seria uma coordenação do poder público capaz de fazer com que essa produção seja priorizada para o mercado interno. No entanto, como reiteradamente ignoramos o óbvio, chegamos ao ponto de precisar importar grãos que temos plenas condições de abastecer nosso mercado, como soja, arroz e feijão.

À guisa de exemplo – e de contraste – Belarus, um país na Europa Oriental cujo clima é bem menos favorável e que sofre com restrições devido a sanções do Ocidente, prioriza a autossuficiência como base de sua política agrícola, exportando os excedentes de produção. No último Global Food Security Index, um ranking que mensura a segurança alimentar dos países, os belarussos se saíram em 36º em um ranking de 113 países, enquanto que o Brasil ficou em apenas 63º.

Há outros aspectos de política pública míopes que gostaria de abordar, mas, para não delongar, vamos ao que podemos e devemos fazer caso realmente queiramos assegurar nossa segurança e soberania em nossa política agrícola e de abastecimento. Primeiro, precisamos retomar, tão logo quanto possível, nossa política de estoques reguladores e fortalecer a Conab.

Mas não se trata tão somente de fazer a companhia voltar ao seu papel no passado – muito embora isso já seria positivo, mas torná-la um tipo de “Banco Central” do abastecimento agrícola, no sentido de zelar pela estabilidade da oferta dos principais gêneros agropecuários e insumos a cidadãos e produtores, respectivamente. Inclusive, de maneira análoga à autoridade monetária nacional quando esta exige o depósito compulsório dos bancos, a Conab poderia exigir dos produtores que parte de suas produções sejam direcionadas à empresa pública, mediante o pagamento do valor médio de mercado para aquele produto praticado em um determinado período, acrescido de uma taxa de remuneração.

Essa produção seria utilizada tanto em situações de choques de oferta como para fins de política industrial – em caso de superprodução, a Conab, em articulação com bancos públicos e cooperativas, poderia estimular o beneficiamento dos excedentes, agregando valor a tais produtos, sempre priorizando o atendimento ao mercado nacional.

Outra medida que poderia ajudar em uma política de segurança alimentar soberana é a adoção de uma taxação sobre exportações dos principais gêneros alimentícios, sendo que essa seria progressiva – quanto maior o volume exportado, maior a alíquota. O objetivo seria duplo: primeiro, aumentar a oferta ao mercado interno, tornando menos atraente as exportações; e segundo, incentivar a agregação de valor pela agroindústria por meio do beneficiamento em solo nacional. Isso, inclusive, poderia se articular à medida de empoderamento da Conab, de forma que a cadeia de praticamente todos os principais gêneros alimentícios do país se desenvolva no Brasil.

Tais medidas seriam um bom ponto de partida não só para garantir a segurança alimentar de nosso país, mas também para nossa reindustrialização, tendo a agroindústria como um dos principais vetores. Mas este último ponto será abordado mais adiante. Até a próxima.

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