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Quinze anos depois, não aprendemos nada com o crash de 2008?

Atualizado: 15 de mai. de 2023

No dia 15 de setembro de 2008, o Lehman Brothers, um dos maiores bancos de investimento dos EUA e que tinha 25 mil funcionários em todo o mundo, foi à falência. Este evento foi o estopim para uma onda de pânico que varreria os mercados financeiros globais por semanas, o que, somada à ação dos principais bancos centrais (sobretudo o Federal Reserve e o Banco Central Europeu), caracterizaria o crash de 2008, também conhecida como crise do subprime, nome que foi dado aos financiamentos de imóveis concedidos a indivíduos com condições de crédito duvidosas.

Nos campos econômico, político e social, a crise daquele ano, a primeira do século XXI e a maior desde a quebra da bolsa de NY em 1929, desencadearia mudanças drásticas em diversas frentes, algumas delas surtindo efeito ainda hoje. Estímulos monetários feitos em proporções inéditas, crises de dívida em diversos países, convulsões sociais causadas pelas medidas de austeridade para enfrentar esse endividamento e a ascensão de forças políticas disruptivas – à esquerda e à direita – do espectro político foram apenas alguns dos desdobramentos desse evento que, em pouco menos de seis meses, completará 15 anos.

E, no ano em que essa hecatombe financeira chega ao seu baile de debutantes, as últimas duas semanas foram marcadas por momentos de tensão que fizeram os mercados temerem pelo pior: em 10 de março, o Silicon Valley Bank, especializado em financiar startups de alta tecnologia (a maioria delas localizadas no Vale do Silício) foi à bancarrota, ocasionando, assim, a segunda maior falência bancária da história dos EUA. Dois dias depois, o Signature Bank, um banco comercial de Nova York, também foi à pique. Em ambos os casos (primeiro no SVB, depois no Signature), as autoridades reguladoras norte-americanas resolveram cobrir todos os depósitos em ambos os bancos, inclusive os superiores a US$ 250 mil, a fim de evitar a contaminação do sistema financeiro.

Ainda em solo americano, no dia 17, alguns dos principais bancos dos EUA se uniram para socorrer o First Republic Bank, em um esforço para impedir que as chamas consumissem mais um banco, esforço esse aparentemente bem-sucedido. Do outro lado do Atlântico, mais precisamente na Suíça, mais sinais de fumaça: o Credit Suisse, que já há algum tempo dava sinais de fragilidade, viu suas ações em queda livre após reconhecer fragilidade nos balanços contábeis (isso lembra a vocês, leitores, alguma coisa?). Após uma injeção de mais de US$ 50 bilhões por parte do Banco Central suíço, de forma a apagar o fogo tão logo quanto possível, as autoridades suíças (com intermediação das norte-americanas, visto que o CS tem muitas operações nos EUA) moveram os peões para que o UBS, principal concorrente do CS, o adquirisse a módicos US$3,25 bilhões, criando um verdadeiro gigante do setor bancário no país alpino.

Esta recente crise bancária – ainda em curso, com desdobramentos ainda imprevisíveis até certo ponto – tem fatores locais envolvidos (no caso dos EUA, a crise nas empresas de tecnologia, com muitas delas precisando de enxugamento após a pandemia de Covid-19), mas o que acendeu a pólvora foi o movimento dos principais bancos centrais em elevar as taxas de juros, a fim de deter a escalada inflacionária que se sucedeu à crise sanitária.

Não podemos negar que, diferente do episódio da quebra do Lehman Brothers e do subsequente pânico no sistema financeiro, em que os governos e seus respectivos bancos centrais levaram semanas até intervir de forma mais enérgica no sistema financeiro, as autoridades que regulam o sistema preferiram não “pagar para ver” e, entre garantia absoluta aos depósitos dos clientes, injeção de dinheiro em bancos de dificuldade e a perspectiva de um novo Quantitative Easing, estão reagindo de maneira bastante veloz. Mas, a despeito disso, vem a pergunta: o que aprendemos com o crash de 2008? Ou melhor, aprendemos alguma coisa com isso?

A depender do repertório de ações tomadas após a debacle das últimas semanas, nada leva a crer que a resposta a essa pergunta seja positiva. Muitas das medidas tomadas são apenas mais do mesmo feito há quase 15 anos, apenas com a diferença de terem sido tomadas de forma quase instantânea. Garantia quase ilimitada de depósitos para correntistas? Sim. Injeção de liquidez em bancos com dificuldades? Sim. Movimentações para consolidações que tornam ainda mais concentrado o mercado bancário, tornando bancos “grandes demais para falir” ainda maiores no futuro? Sim.

Mas onde está uma regulação mais dura ao setor bancário? Onde estão, ao menos as investigações para identificar e punir os responsáveis por mais uma crise? São questões que precisam de respostas para que não se corra o mesmo risco de impunidade que tomou conta do pós-crise em 2008. Impunidade essa que, basicamente, fez o sistema financeiro, de bancos, passando por agências de classificação de risco e chegando aos reguladores, não só manter – como, talvez, amplificar – suas fragilidades. Fragilidades, essas, que vêm se revelando agora.

Creio que alguém esteja se perguntando: “ah, então você prefere deixar os bancos quebrarem?”. Se eu fosse um liberal ou libertário convicto, a resposta seria “provavelmente” (e com certeza “sim” se eu fosse este último), mas a realidade é que temos um sistema financeiro tão colossal e interconectado que os efeitos colaterais de fazer isso (ou, melhor dizendo, não fazer nada) ultrapassariam em muito os potenciais benefícios. Em outras palavras: o melhor, em princípio, é intervir. Contudo, que intervenção? Ou melhor: como intervir?

Está muito claro que simplesmente despejar um caminhão de dinheiro nos bancos, como despejar brinquedos em uma sala para que as crianças se divirtam – no caso de 2008 essa brincadeira foi em boa parte bancada com dinheiro do pagador de impostos, enquanto estes (sobretudo na Europa), como muito bem lembrado por Jamil Chade em sua coluna no UOL, amargaram o desmonte do estado de bem-estar social subsequente às medidas de austeridade impostas diante da crise de dívida que se sucedeu ao crash –, não é uma boa ideia. Muito menos se os responsáveis por chegar ao estado de coisas em questão não só não são responsabilizados, como também continuam a, eventualmente, dar pitaco sobre o que empresas e mesmo governos devem fazer ou deixar de fazer.

Dito isso, é preciso que o Estado seja mais enérgico no sentido de não só resgatar instituições financeiras em risco de insolvência e com potenciais riscos sistêmicos à economia, mas também de promover a depuração do sistema financeiro. Esses bancos deveriam ser nacionalizados e saneados pelo poder público, para posterior fatiamento em unidades menores e reprivatização para novos compradores nacionais – esse processo poderia levar alguns anos. Executivos de tais empresas deveriam ser suspensos de atuar no mercado financeiro por determinado período e, caso comprovada a responsabilidade na bancarrota, até banidos do setor, sem prejuízo de multas, indenização às instituições, erário e/ou clientes e mesmo prisão.

Por fim, uma normatização do sistema bancário usando os moldes da Lei Glass-Steagall nos EUA – em vigor dos anos 1930 ao final dos 1990 – em nível global seria um bom ponto de partida para se colocar ordem e dar mais realismo ao sistema financeiro, restaurando-o ao seu papel original de auxiliador do que convencionamos a chamar de “economia real”. A propósito, um outro aspecto não combatido mesmo após o crash de 2008 é o grau cada vez maior de financeirização da economia, um risco maior não só ao setor produtivo, mas também ao próprio setor financeiro.

Sabemos muito bem que a atual crise bancária terá muitos – e decisivos – desdobramentos. Tudo pode acontecer. Inclusive nada. Torçamos para que não seja tão ruim como tememos. Até a próxima.

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