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Por uma agenda climática (realmente) nacional

Atualizado: 23 de set. de 2023

Diante dos últimos acontecimentos relacionados a eventos naturais extremos, como as ondas de calor que afetam diferentes lugares do Hemisfério Norte – EUA, Europa e China, entre eles – e o recente ciclone extratropical que trouxe mortes e muitos estragos ao Sul do Brasil, evento esse que, aparentemente, tem se tornado cada vez mais recorrente, a discussão sobre as mudanças climáticas voltou à baila no debate público.

Geralmente, a discussão oscila entre dois pontos: a mais falada, que é a questão do que se fazer para cumprir a meta de limitar o aquecimento do planeta a 2ºC – muito embora se queira uma meta ainda mais ambiciosa (e, a meu ver, impossível) de 1,5ºC; e a nem tanto falada – mas nem por isso menos importante – questão do que se fazer para adaptar populações inteiras a uma nova realidade climática, com temperaturas médias mais elevadas e eventos extremos, seja de calor ou frio, chuva ou falta dela, ou de vento, mais frequentes e/ou intensos. Em alguns casos, essa adaptação será simplesmente abandonar os países onde vivem, cabe registrar.

Essa discussão sobre o que, como e em que horizonte de tempo fazer, evidentemente, desperta muitas paixões no debate público, que, para efeito de simplificação, polariza dois lados: de um, aqueles que, no calor (que a depender do contexto pode ser literal) do momento, defendem medidas à toque de caixa, algumas delas que flertam com teorias malthusianas e mesmo eugenistas que acreditávamos ter abandonado; do outro, aqueles que, reativamente, resolvem simplesmente negar a existência ou a gravidade do fato, atestado por diversas estatísticas e pelo consenso das pesquisas sobre o tema – o exemplo do (agora) ex-secretário executivo de Mudanças Climáticas da cidade de São Paulo, que disse que o planeta “se salva sozinho” não me deixa mentir.

Não que, sobre essa última colocação, não haja um fundo de verdade. Mas como acredito que não é da forma como ele pensa – e muito menos quero (e talvez nem ele) pagar para ver isso acontecer, acredito que a solução não passa por nenhum dos dois polos da discussão. Sobretudo no Brasil, em que esta, recorrentemente, torna-se um cabo de guerra entre gente que quer importar para o país soluções que são aplicáveis ao contexto europeu ou norte-americano, mas pouco práticas ao contexto de um país emergente como o nosso, e gente que quer simplesmente ignorar o tema. Ambos os lados com gente a soldo de lobbies poderosos.

Dito isso, precisamos pautar o debate público sobre esse tema tão importante sob condições que, de fato, sejam adequadas à nossa realidade econômica, política e social. E temos importantes trunfos que, se corretamente mantidos e bem utilizados, podem fortalecer nossa imagem como parte da solução para mitigar os efeitos da presente realidade: um deles é nossa matriz energética, de acordo com o Balanço Energético de 2022, é baseada em cerca de 77% de fontes renováveis, sendo 57% hidrelétricas e o restante de outras fontes renováveis – biomassa, eólica e solar, – considerando apenas a oferta interna, situação muito melhor que a de diversos países que buscam aparecer como “virtuosos” na questão do clima.

Além disso, temos condições de produzir combustíveis mais limpos e renováveis – como etanol e biodiesel – sem prejuízos à oferta de alimentos, bem como de realizar toda essa produção mantendo boa parte das florestas em pé: cerca de 60% do território nacional é coberto por florestas, e somos, mesmo assim, um dos celeiros do mundo.

Cabe a nós, no tocante a contribuir para a agenda do clima nos nossos termos, potencializar esses trunfos, ampliando o uso de fontes renováveis e explorando o potencial do “cinturão solar” – área que compreende boa parte do Nordeste e do Brasil Central, além de que temos uma vasta área com potencial de geração de energia eólica. Além disso, podemos incentivar a produção – e, sobretudo, o consumo – de etanol e do biodiesel como combustíveis para os veículos e para a indústria, além de investir em pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis para esse mesmo fim. E, por meio de políticas públicas que resguardem a oferta de alimentos à população, adotarmos e executarmos políticas que premiem os agentes do setor produtivo que buscam minimizar os impactos ambientais em suas atividades.

Tais medidas, entre outras (como a recuperação de áreas para fins de plantio de florestas), visam conter os impactos ao clima por meio de uma menor escalada – ou mesmo redução – nas emissões de carbono, mas tão importante quanto é adotar ações que visem adaptar a população à nova realidade climática, visto que os impactos do aquecimento global já estão contratados para as próximas gerações.

Por exemplo, precisamos falar em uma ampla e profunda reforma urbana (aliás, há muitas razões para se fazer uma, e a questão do clima é uma delas). Bairros e mesmo cidades inteiras estão localizadas em regiões altamente vulneráveis a eventos de tempo severo, que geram perdas materiais e humanas, além de prejuízos às atividades econômicas e às comunicações. Essa reforma não só deve lidar com a localização e a preparação do local em si, mas também com a estruturação das próprias construções, que deverão ser pensadas no sentido de assegurar um mínimo de conforto térmico (um histórico ponto fraco nos imóveis brasileiros) e segurança diante de, por exemplo, tempestades.

Não menos importante é fortalecer nossa pesquisa e desenvolvimento a fim de dar o devido suporte ao agronegócio – importante fonte de divisas e que mantém nossa balança comercial equilibrada – a fim de que tenhamos culturas resistentes não só às pragas, mas também aos extremos cada vez mais frequentes e intensos de calor, frio, chuva e estiagem. O aquecimento global tende a redesenhar por completo o balanço de forças da produção agrícola mundial, caso as previsões indicadas para o clima no final deste século, em um estudo publicado pela revista Nature em 2018, venham a se confirmar. Muito provavelmente teremos de enfrentar, além dos atuais concorrentes, a Rússia e o Canadá, que irão ganhar milhões de quilômetros quadrados em terras agricultáveis.

Evidente que este artigo se trata de um ponto de partida. Longe de esgotar a discussão, a ideia é que comecemos a falar mais sobre um tema tão delicado para o nosso futuro, com menos paixões políticas e mais pensamentos no sentido de defender o interesse nacional não só nesta, mas também para as gerações futuras. Até a próxima.

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