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O fantástico mundo da fintwit

Marcos Jr. [2]

Nos anos 1990 existia um desenho animado que passava nos programas infantis matutinos do SBT [3] (e que marcou bastante minha infância) chamado “O Fantástico Mundo de Bobby” – seu nome original era Bobby’s World. Nele, Bobby, o protagonista, é um garoto de quatro anos que possui uma imaginação fértil, e suas percepções infantis e fantasiosas do mundo são a tônica de suas aventuras – reais ou nem tanto – ao longo das dezenas de episódios dessa série (são 81 ao todo, em 7 temporadas). Para os mais nostálgicos, deixo para quem quiser assistir à abertura [4].

No entanto, o intuito dessa introdução que pode soar estranha aos leitores mais jovens. Não é gabar de minha idade mais avançada ou das produções infantis da época (muito embora não vou negar que tenha sido um bom momento), mas sim de falar de outro “fantástico mundo” que, apesar de formado por pessoas (em tese) adultas, também possuem como o Bobby do desenho animado, uma fértil imaginação e isso molda suas percepções sobre o mundo a sua volta, especialmente quando resolvem falar de assuntos que não são de sua seara. É o fantástico mundo da fintwit.

Antes de falar sobre esse “fantástico mundo” propriamente dito, é preciso, primeiro fazer um parêntese para definir e contextualizar o termo fintwit. É, em geral, aplicável àqueles que atuam no mercado financeiro e, ao mesmo tempo, como influenciadores nas redes sociais – especialmente o antigo Twitter (hoje X) –, o que explica a origem do termo.

Um fenômeno crescente nos últimos dez anos, os fintwitters, por assim dizer, usam as redes sociais para falar sobre o mercado financeiro, dar dicas de investimentos, e, eventualmente dar pitacos aleatórios sobre outros temas, tangentes ou não a sua área de atuação. Também podem ser chamados de Faria Limers, se considerarmos que essa turma, quando não trabalha ou frequenta a Avenida Brigadeiro Faria Lima, avenida símbolo do centro financeiro de São Paulo, possui ligações com esta. Mas, por ora, nos resumamos ao primeiro termo.

Findo o parêntese, vamos explorar um pouco a imaginação fértil desse "fantástico mundo": quando se resumem a falar de sua área de atuação a fintwit até que entrega ponderações interessantes sobre o mercado financeiro e dicas de investimentos, desde que apreciadas com a devida parcimônia, até porque alguns se comportam mais como, por assim dizer, “palestrinhas” do que de fato como pessoas sérias atuando na área.

Entretanto, quando eles resolvem sair de sua seara e se aventuram a falar sobre temas que, por serem (ou acharem que são) tangentes, como diz o ditado, “é aí que a porca torce o rabo”. E quando assistimos à turma do fintwit resolvendo falar sobre política e economia é como se estivéssemos diante de vários “Bobbys” em seu “fantástico mundo”. Com dois agravantes: são pessoas já adultas e influenciam muitos nas redes sociais, que muito provavelmente com crenças já preconcebidas sobre o tema tendem a achar que as afirmações desses são, de fato a representação da realidade. Em outras palavras, se por um lado a atração infantil que passava nas manhãs do SBT era inofensiva, por outro certos discursos que se vê desses influenciadores do mercado financeiro soam deveras problemáticos quando confrontados com a realidade.

Um aspecto comum do “fantástico mundo” da fintwit é a exaltação do governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL), especialmente da atuação de Paulo Guedes, então ministro da Economia, além de discursos apocalípticos acerca da economia brasileira sob Lula (PT). Quem vê certos tuítes [5] dessa turma, após cair de paraquedas, até imagina que o ciclo de governo anterior era um oásis de responsabilidade fiscal e de pujança econômica, com um Estado eficiente e, de fato, mais leve.

No entanto, basta uma apresentação fria dos dados para que essa narrativa não chegue à página dois da realidade: o governo Bolsonaro entregou três anos de déficit primário – e só entregou superávit no último graças, entre outras coisas, a uma manobra nas contas públicas que incluía um calote bilionário no pagamento de precatórios e a não compensação pela bondade com o chapéu alheio ao derrubar, na canetada o ICMS dos combustíveis. Sem essas manobras, seria mais um ano no vermelho. E antes que invoquem o “super trunfo” da pandemia (tocarei nesse ponto mais adiante), cabe dizer que 2019 foi um ano normal, e, mesmo assim, ficou negativo o saldo.

Também passou longe de ser um período de economia pujante: o crescimento médio do PIB ao longo dos quatro anos de governo foi de 1,4% a.a., patamar abaixo dos dois anos completos de Temer (1,5% a.a.) e pouco acima dos cinco completos de Dilma (1,2% a.a.). Mais uma vez, antes que apresentem a carta da pandemia, cabe lembrar que em 2019 ano normal o PIB cresceu 1,2%. Ou seja: Bolsonaro, em condições normais de temperatura e pressão, entrega um desempenho similar ao da presidente petista deposta em 2016.

Também não é possível afirmar que foram exímios no controle da inflação: auxiliada pela maior maxidesvalorização do real frente ao dólar – desde o “Efeito Samba” de 1999 – em 2020, manobra essa que ocorreu de maneira concomitante à redução drástica da taxa básica de juros (o que nos levou a ter uma Selic negativa em termos reais, ainda que nossos fundamentos econômicos não fossem tão sólidos quanto ao de outros países na mesma situação), esta não fechou no centro da meta (ou abaixo deste) em nenhum dos quatro anos. Aliás, nos dois últimos anos, o IPCA, o indicador oficial de preços fechou acima do teto da meta (e por onze meses seguidos desse período em questão esteve em dois dígitos no acumulado de doze meses). E, antes que invoquem a “carta” novamente, cabe frisar que como afirmei no início, em 2019 antes da pandemia a inflação já estava em escalada.

Evidente que, como afirmei antes, toda vez que se apresenta os números frios essa turma trata de invocar a carta da pandemia para justificar o desempenho nada abonador – curiosamente, alguns ao mesmo tempo resolvem chamá-la de “fraudemia”, a despeito das milhares de mortes e da calamidade na saúde ocorrida durante o período – fica claro que, ao contrário do que dizem, a crise sanitária serviu como cortina de fumaça para abafar a mediocridade (e estou sendo bem generoso ao usar esse termo) da equipe econômica tão elogiada pelos fintwitters.

Outro aspecto comum dessa turma é a exaltação [6] da figura de Javier Milei [7], o libertário quasi-ancap que foi eleito na Argentina e, desde dezembro passado governa o país vizinho conduzindo um ajuste fiscal brutalmente recessivo a pretexto de se tentar conter a incontrolada – e crônica – inflação. A despeito da asfixia econômica [8] que nossos “hermanos” estão passando, e de um índice de preços ainda hiperinflacionário – apesar de ter reduzido o indicador mensal, este permanece bastante elevado, mantendo a ideia de que o peso argentino, enquanto “unidade de conta”, continua inviável, no “fantástico mundo” do fintwit o país vizinho está virando um “Eldorado dos investimentos” [9] enquanto o Brasil se encaminha para um papel de “pária”. Resta saber se estariam dispostos a colocarem suas rendas no índice Merval em vez da B3.

Enfim, este é o fantástico mundo da fintwit, cujos protagonistas são como o Bobby do desenho animado, muito embora, dada a idade, não deveriam ser. Até a próxima.

P.S.: sobre o fantasioso cenário de que o Brasil seria uma potência com uma "aliança regional" entre Bolsonaro (caso fosse reeleito) e Milei, mencionado em um dos tuites, cabe frisar que em 2022 o Brasil terminou em 12º lugar, atrás de Irã e Rússia (duas economias sancionadas até o talo) [10]. Enquanto que agora, com o "apocalipse" lulista, fala-se em fechar 2024 com um 8º lugar [11]...

Notas de "O fantástico mundo da fintwit [1]":

[1] Termo explicado durante o artigo

[2] Formado em Engenharia de Produção e servidor público

[3] Sistema Brasileiro de Televisão

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