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O desafio da educação brasileira e as miopias

Atualizado: 14 de set. de 2022


Não é nenhuma novidade que a educação brasileira é um desafio que atravessa governos sem ser solucionado e mesmo para o futuro a solução parece um tanto nebulosa. Também não é nenhuma novidade que, entra ano e sai ano e muitos dos indicadores de nosso ensino continuam sofríveis: 95% dos estudantes da rede pública deixam o ensino médio sem conhecimento adequado de matemática, e 69% dos mesmos também se formam nessa etapa também penando em língua portuguesa, conforme dados do Sistema de Avaliação do Ensino Básico, o Saeb.


São dados que, por si só, representam uma tragédia, pois se tratam das matérias mais elementares do ensino básico: a aprendizagem adequada da matemática significa também o desenvolvimento do raciocínio lógico e dos sensos de ordens de grandeza, necessários à solução de diversos problemas cotidianos e para o melhor domínio de outras disciplinas que requerem algum ferramental matemático (como Física e Química); já a aprendizagem da língua portuguesa implica em ter a capacidade, entre outras coisas, de interpretar textos e diferenciar fato de opinião, igualmente necessários ao cotidiano e a outras disciplinas (como História e Geografia). Diante disso, ver alunos e mesmo professores fazendo pouco caso disso, ainda que em tom de brincadeira, é algo um tanto preocupante.


Tendo em vista essa situação, o debate público sobre a educação acaba sendo dominado por três grandes grupos que se digladiam – sobretudo – nas redes acerca do diagnóstico e das soluções para esse e muitos outros problemas do ensino: de um lado a esquerda, que muitas vezes resume o problema à “falta de investimento”; do outro os liberais, que acreditam em passar o máximo possível da gestão do ensino à iniciativa privada como a solução; e por fim a direita, que, nos últimos anos, resolveu bater bumbo para a militarização das escolas e para o ensino domiciliar como soluções.


Ainda que os três grupos tenham, em partes, um diagnóstico correto dos problemas da educação, na hora de apresentar as soluções as miopias dos três grupos ficam evidentes: por um lado, o investimento do país na área, ainda que não tenha atingido a meta prevista de 7,0% do PIB no Plano Nacional de Educação (PNE), atingiu 5,6%, patamar já comparável a de alguns países desenvolvidos. Mesmo considerando como métrica o gasto por aluno, há países com gasto menor por aluno que, mesmo assim, possuem desempenho melhor. Resumindo: ainda que possam faltar recursos para uma ou outra etapa do sistema, o problema é mais de caráter distributivo e gerencial. Jogar mais dinheiro sem solucionar essas questões significaria desperdiça-lo, e isso já ocorre por conta dos limites constitucionais mínimos para a educação, que, ainda que seja uma ideia bem-intencionada, acaba levando a gastos com recursos de eficiência e eficácia duvidosas apenas para cumprir a letra fria da lei.


Por outro, achar que o setor privado é a “bala de prata” para a educação é outra miopia. Já há uma compilação feita a partir de diversos estudos que o impacto da iniciativa privada na educação pública é baixo ou mesmo nulo, fora o efeito colateral do aumento da desigualdade no sistema nos países onde isso fora adotado em larga escala, como EUA e Suécia.


Finalizando o tour pelas miopias, resta a da direita brasileira que, nos últimos anos, gastou tempo e energia em dois fetiches: o primeiro, que é a defesa da educação domiciliar – também conhecida como homeschooling, e o segundo, que é a adoção massiva das escolas militares (ou cívico-militares) como medidas para solucionar a problemática presente na educação brasileira. Ainda que sejam medidas bem-vindas, tratam-se de ações que atingem nichos muito específicos da sociedade, sendo insuficientes para atender às massas.

No formato recém-apreciado pelo Legislativo, a educação domiciliar só atenderia a uma demanda correspondente a 1% dos estudantes brasileiros. Quanto às escolas militares – ou cívico-militares – ainda que haja o apelo à disciplina como justificativa (e sim, isso importa, muito embora não irei me aprofundar neste ponto agora), o custo dela é superior e o desempenho é inferior às escolas federais, por exemplo.


Em suma, o desafio para a educação brasileira é mais complexo que as visões míopes que a esquerda, os liberais e a direita apresentam para a questão, por melhor intencionadas que sejam (sim, tendo pressupor que hajam boas intenções). E libertar-se dessas miopias, a meu ver, é o primeiro passo para que tenhamos um bom debate público sobre o tema, pautado pelas melhores evidências.

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