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O “complexo de vira-lata” no debate econômico brasileiro

Marcos Jr. [1]

Uma expressão muito conhecida de nós brasileiros e que volta e meia emerge no debate público é a do “complexo de vira-lata”. Criada pelo escritor Nelson Rodrigues [2] na esteira da traumática derrota do Brasil para o Uruguai na Copa do Mundo de 1950 – se soubesse que muitos anos mais tarde teríamos o inimaginável 7 a 1 tal evento fatídico seria mero acidente de percurso –, ela denomina a ideia do brasileiro, muitas vezes se coloca como inferior ao resto do mundo, incapaz de realizar aquilo que outras nações realizam. E tal conceito, apesar de ter sido criado sob o contexto do futebol, não se aplica somente a este.

Corroborando com este último ponto, o noticiário econômico das últimas semanas deixou evidente o “viralatismo” grassante em setores da imprensa e das redes sociais: no último dia 17, o governo anunciou obras de ampliação da capacidade da Refinaria Abreu e Lima [3], alvo de polêmica devido ao escândalo do “Petrolão” ocorrido em meados da década passada. Tão logo divulgou-se o plano, miríades de jornalistas, analistas e influencers do mercado financeiro resolveram atacar a medida, relembrando os ocorridos de corrupção do passado que tiveram a unidade como pivô.

Para eles, o simples fato de se retomar uma obra com o objetivo de ampliar a capacidade de refino de combustível – algo essencial e estratégico a qualquer cadeia logística no mundo, sobretudo a nossa, muito dependente do modal rodoviário (um erro, mas não entrarei em detalhes neste artigo) – significaria, por si, que as mesmas falhas e malfeitos seriam feitos novamente [4] e que, por isso, seria melhor simplesmente não fazê-la (como alegado por Leandro Ruschel, expoente influencer de investimentos no meio bolsonarista). Outro ponto alegado em desfavor [5] à ampliação da refinaria é que isso seria um sinal contrário em relação ao discurso de se investir em energias renováveis adotado (segundo a jornalista em questão, Eliane Cantanhêde) no mundo inteiro e no Brasil.

Mesmo sob o prisma liberal (mais racional, evidentemente) seria melhor justamente concluir as obras na refinaria a fim de fazer valer os recursos já aportados e, claro, dar utilidade econômica à instalação, mesmo que fosse – na cabeça deles, cabe ressaltar – para privatizá-la (sou contrário a essa ideia, cabe ressaltar). Além do mais, obras intermináveis e com desperdício e malversação de recursos ocorrem, inclusive, em países ditos sérios – como a do novo aeroporto de Berlim [6], na Alemanha – e nem por isso se faz questão de deixá-las no esqueleto.

E com relação ao discurso ambiental, cabe lembrar que este não impediu que Joe Biden, atual presidente dos EUA e muito incensado pela retórica favorável à transição energética – algo que o Brasil já faz muito bem, obrigado [7] – de liberar a exploração de petróleo no Ártico [8], uma das regiões do planeta mais sensíveis aos efeitos das mudanças climáticas. Para aqueles que apostam que petróleo não terá valor algum em um breve futuro, fica a pergunta: os americanos estão resolvendo queimar dólar por acaso?

No final das contas, o motivo pouco importa: sejam os liberais-conservadores à reboque do bolsonarismo ou os liberais-progressistas que batem ponto na GloboNews, a ideia de que o Brasil pode – e deve – buscar a autossuficiência e a soberania no refino para a produção de combustíveis é, simplesmente, herética. Para eles, deveríamos nos contentar em importá-los (pagando, obviamente, em dólar), sujeitando-se aos ventos geopolíticos de ocasião, por sinal cada vez mais incertos e hostis, com a continuidade da guerra russo-ucraniana e a escalada de conflitos no Oriente Médio. Caso as tensões cresçam em tais frentes e os países envolvidos – muitos deles produtores de petróleo – decidam cortar as exportações, estrangulando por conseguinte o mercado de combustíveis, o que faremos? Sentar e chorar? No que depender dos modernos Hudge e Gudge – leitores de Chesterton entenderão – sim.

Outro fato que movimentou o debate econômico foi o anúncio do governo Lula da “Nova Indústria Brasil” [9], um programa que, entre outros pontos, direciona R$300 bihões em recursos para financiamento de iniciativas para o setor. Tão logo a nova política industrial do governo Lula foi apresentada, sucedeu-se a mesma histeria, evocando fantasmas de políticas anteriores que, de fato, mostraram-se, ao menos supostamente, equivocadas e fracassadas.

Como muito bem apontado pelo economista André Roncaglia em seu artigo [10] na Folha de S. Paulo publicado na última quinta-feira, 26 de janeiro, podem-se fazer críticas ao arcabouço dessa iniciativa “neoindustrialista” do atual governo. Uma delas, mencionada no artigo de Roncaglia e certamente válida, é a necessidade de metas claras e específicas para a política em questão (ponto, inclusive, que desagradou ao presidente Lula [11]) – uma sugestão que faço, por exemplo, seria condicionar novas concessões de financiamentos ao cumprimento de metas de exportação, o que ajudaria a selecionar os “vencedores” e evitar que tais recursos sirvam para mero rentismo por parte do setor industrial. Isso, inclusive, está em linha como preconizado pela economista Mariana Mazzucato, tanto em O Estado Empreendedor [12] como em Missão Economia [13].

Contudo, a ideia de alguns setores da imprensa e das redes sociais é de interditar o debate em torno da simples existência de uma política industrial. Para eles, o fato de termos cometido erros que fizeram as políticas industriais do passado supostamente fracassarem significa que deveríamos desistir de uma. Pouco importa se outros países, sejam desenvolvidos ou emergentes, ao longo de tentativas e erros, foram bem-sucedidos. Tal como no caso da Refinaria Abreu e Lima, em que alguns acham melhor que sejamos dependentes de importações de combustíveis, neste caso alguns acreditam que, magicamente, sairemos da armadilha da renda média e chegaremos ao desenvolvimento com uma economia baseada na exportação de produtos primários, de baixa complexidade e baixo valor agregado.

Afinal de contas, e diferente das nações hoje desenvolvidas ou em franco desenvolvimento, não temos a capacidade de aprender. Ao menos é isso que os “viralatistas” que infestam o debate econômico em nosso país pensam.

[1] Formado em Engenharia de Produção e servidor público

[2] Escritor, jornalista, romancista, teatrólogo, contista e cronista de costumes e de futebol brasileiro. Nascido no Recife, Pernambuco, mudou-se em 1916 para a cidade do Rio de Janeiro. Enciclopédia Itaú Cultural.

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