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Lula, Maduro, a integração latino-americana e a necessária realpolitik

Ontem, representantes de 11 países sul-americanos reuniram-se em Brasília, a convite do presidente Lula, para discutir questões pertinentes em nível regional, como a retomada do diálogo nesse sentido, buscar uma agenda de cooperação em diversas áreas – infraestrutura, saúde e combate ao crime organizado – e retomar a iniciativa da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), ainda que sob outro nome e/ou estrutura organizacional. Entre os presentes, estavam os presidentes Alberto Fernández (Argentina), Gabriel Boric (Chile) e Nicolás Maduro (Venezuela).

A presença deste último no encontro, por si, foi a grande polêmica desses últimos dias, visto que o líder venezuelano é tido como um ditador por alguns de seus pares internacionais – inclusive na América do Sul – e é acusado pelos EUA por envolvimento com o tráfico de drogas. As declarações de Lula acerca de Maduro, bem como a agressão a jornalistas por parte de seguranças deste (bem como de agentes do Gabinete de Segurança Institucional – GSI daqui do Brasil), não ajudaram nem um pouco na repercussão, ajudando a atiçar a oposição nas discussões tanto na imprensa como nas redes sociais.

Feito esse breve relato dos fatos, vamos, direto ao ponto, às considerações: a primeira delas é um tanto óbvia – e, talvez, por ser tão óbvia, é preciso ressaltar: independente da qual seja a minha, a sua e/ou a nossa opinião sobre Maduro, ele é, de jure e – sobretudo – de facto, o chefe de Estado e de Governo da Venezuela, um país soberano. E deve ser tratado como tal, independente da sensibilidade de alguns setores do espectro político a cenas como a continência dos militares ao mandatário de lá.

Cabe ressaltar, ainda, que, a despeito da derrocada econômica que nosso vizinho enfrentou nos últimos anos, o país possui uma importância sensível ao Brasil, seja pelo fornecimento de energia ao estado de Roraima (pelo fato de este não estar integrado à rede elétrica nacional), seja pelo fato de importarmos petróleo deles para atender à oferta do nosso país. Outro aspecto menos destacado – mas não menos importante – é o fato de a Venezuela ser o maior comprador de arroz brasileiro. Sendo assim, é natural – e, por que não, razoável – que, independente das paixões político-ideológicas de ocasião, Brasil e Venezuela mantenham boas relações diplomáticas e comerciais, uma vez que estas beneficiam ambos os lados.

A segunda consideração, corolário da primeira, é que mesmo para buscar uma solução para o atual cenário político, econômico e social do país é preciso que haja um mínimo de urbanidade no trato diplomático ao atual governo venezuelano – que sim, é, objetivamente, uma ditadura, e sim, Lula simplesmente negou a realidade ao pintar uma realidade democrática inexistente por lá. Má gestão, intervencionismo econômico mal executado e corrupção, somadas a uma repressão política brutal e agravadas pelas sanções econômicas (cabe ressaltar), levaram o país a se tornar mais pobre que o Haiti em renda per capita, causando uma crise migratória comparável a de países em guerra como a Síria e a Ucrânia. Não dá para simplesmente normalizar ou minimizar tal quadro.

A propósito, ao adotar um tom elogioso em relação a Maduro, Lula fez o Brasil perder a oportunidade de se tornar um mediador para solucionar a crise político-econômica crônica que castiga nosso país vizinho, visto que, mesmo que apenas retoricamente, tomou partido de um dos lados envolvidos na situação. Essa perda de um posicionamento que seria altamente benéfico ao nosso país no sentido de reforçar a posição de liderança regional na integração latino-americana (objetivo previsto no Art. 4º, parágrafo único da Constituição Federal) só torna a Venezuela, bem como a América Latina como um todo, vulnerável ao assédio das grandes potências globais, seja os EUA (que dia sim e dia também querem que tudo abaixo da fronteira sul de seu território seja seu quintal), seja a China (que, por menos intrusiva que seja em relação aos americanos, ficará confortável com o status quo da região) ou a Rússia (idem).

A terceira consideração, derivada das duas anteriores, é que, ainda que o Brasil possa atuar como mediador para buscar resolver a crise política do país – inclusive com mecanismos que condicionem uma maior relação econômica entre os dois países condicionados a uma abertura política – cabem aos venezuelanos e somente a eles, tanto no governo como na oposição, buscarem iniciar essa solução. Sendo assim, posturas como a deputados como Zé Trovão, Nikolas Ferreira e Bruno Engler no sentido de acionar a Embaixada dos EUA para intervir na situação, são totalmente descabidas e mesmo contraproducentes do ponto de vista da soberania nacional. Não temos obrigação de atuar como “moleque de recados” de uma potência estrangeira, seja qual for.

Por fim, a quarta e última consideração – mas não a menos importante – é que as relações internacionais são – ou deveriam ser a pura e simples defesa do melhor arranjo possível para os interesses de cada país, independente do regime de governo e da ideologia de ocasião. Pergunto àqueles moralistas que defendem que o Brasil rompa relações com a Venezuela pelo fato de esta ser uma ditadura: estariam dispostos a fazer o mesmo com Rússia, China, Arábia Saudita e Irã, por exemplo, países que, em graus distintos, são governados de forma autocrática? No caso dos dois primeiros, são, respectivamente, o principal fornecedor de insumos e o principal cliente do nosso agronegócio. A troco de quê? De um “legal, quer um biscoito” por parte do Ocidente?

A propósito, em tempos de “marvelização” da política internacional, em que, de tempos em tempos, escolhem-se “mocinhos” a serem idolatrados e “vilões” a serem execrados, um pouco de realismo do centenário Henry Kissinger – ex-secretário de Estado dos EUA nos governos de Richard Nixon e Gerald Ford e um dos grandes gênios (para o bem e para o mal) da política externa contemporânea de seu país com sua realpolitik –, com as devidas adaptações ao nosso contexto, é fundamental.

Finalizo com uma frase dele que cabe perfeitamente neste atual momento e que possui um fundo de verdade: “Um país que exige perfeição moral na sua política externa não alcançará perfeição nem segurança”.

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