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Infraestrutura: um imperativo para a soberania e o desenvolvimento nacional

Atualizado: 14 de set. de 2022

Acredito que onze entre cada dez leitores deste espaço concordam que não há como desenvolver um país sem, antes disso, adequar e modernizar sua infraestrutura, seja a de transporte, energia ou de telecomunicações. Trata-se de um senso comum, e, quiçá, um clichê. A despeito de tamanha obviedade, o Brasil, ao longo de várias décadas, acumulou carências em todas essas faces da infraestrutura – além de outras, como, por exemplo, o saneamento básico. Não é atoa a aprovação do Marco do Saneamento, uma medida recém-aprovada e em implementação que tem por objetivo trazer diversos municípios de nosso país ao presente, por meio de parcerias entre o poder público e o setor privado.

Pensando somente na infraestrutura de logística e transporte – parte de minha formação técnica está ligada a ela –, o Brasil ainda possui diversos gargalos a serem resolvidos. Basicamente boa parte de nossa malha rodoviária é a mesma dos anos 1960 e 1970, quando os veículos em geral não eram tão velozes nem os caminhões transportavam tanta carga como atualmente. Também àquela época, salvo exceções, não se pensou na ideia de desviar o tráfego rodoviário das grandes cidades, o que faz que na maioria delas esse tráfego dispute espaço com o urbano.

Soma-se isso a décadas de manutenção deficiente – quando não inexistente – e o resultado, conforme apurado no último levantamento da Confederação Nacional do Transporte (CNT), é que menos de 40% das rodovias brasileiras podem ser consideradas ótimas ou boas no aspecto geral, resultando em um acréscimo de cerca de 30% no custo de transporte nas vias consideradas regulares, ruins ou péssimas. Como desdobramento desses dados, isso também pode ser observado, para mencionar alguns pontos apenas, nas perdas ou danos a produtos durante o transporte, custos decorrentes de acidentes (alguns deles, infelizmente, com fatalidades) e na perda de competitividade de nossa economia, muito embora esta última seja fruto de outros fatores.

Dito isso, não se pode negar que neste último ciclo de governo (mais precisamente na gestão de Tarcísio Gomes de Freitas), a despeito do parco orçamento para a área, buscou-se enxergar a infraestrutura – neste caso, a de logística e transporte – como uma política de Estado. Devido às limitações orçamentárias já mencionadas, buscou-se a adequação e modernização de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos por meio de concessões à iniciativa privada e finalização de obras paralisadas há anos em locais estratégicos do país – a pavimentação da BR-163 no trecho entre Mato Grosso e Pará, região que faz parte da fronteira agrícola brasileira, é o exemplo mais nítido dessas ações de quick-in, melhorias que são relativamente rápidas de se executar e que trazem resultados imediatos, no caso, a redução brutal no tempo e nos custos de transporte de grãos.

Outra menção não menos honrosa é um olhar mais atento ao transporte ferroviário, com todas as vantagens já conhecidas sobre o rodoviário para levar grandes volumes de produtos a grandes distâncias. Buscou-se as concessões como a principal ferramenta para destravar investimentos no transporte ferroviário de cargas, o que, no longo prazo, ajuda a desafogar o modal rodoviário, o que também ajuda na redução dos custos de transporte.

Sem dúvida, estas são medidas bem-vindas e necessárias para um país que quer e precisa se desenvolver, mas, infelizmente, não são suficientes. Em que pese a torcida de nariz dos defensores do que irei chamar de “espontaneísmo de mercado” (uma doença infantil que tomou conta do liberalismo brasileiro), não é possível abrir mão do investimento público para adequar e modernizar nossa infraestrutura, inclusive (e sobretudo) a de logística e transporte. O fato de o investimento apenas na Via Dutra, principal eixo rodoviário de ligação entre Rio e São Paulo, superar todo o investimento público na área, deveria ser visto como motivo de vergonha, uma vez que esse montante é insuficiente até mesmo para assegurar a manutenção do todo da malha rodoviária já existente.

Apenas à guisa de exemplo, os EUA, país visto por muitos como referência em capitalismo de livre mercado (muito embora os indicadores de liberdade econômica da Heritage Foundation apontem deterioração nesse sentido nos últimos anos) e de estado enxuto, nos anos 1950, iniciaram um dos maiores programas de investimento público em infraestrutura de logística e transporte da história da humanidade, o Interstate Highway System (IHS), cuja legislação que deu início a esse processo foi proposta e aprovada durante o governo do General Dwight D. Eisenhower. Graças a esse pacote, é possível ir do Maine à Califórnia ou da Flórida a Minnesota em autoestradas sem cruzamentos em nível, o que foi mais um passo nas radicais transformações ocorridas na América durante o período de Guerra Fria.

E veja bem, minha menção à infraestrutura de logística e transporte foi apenas no tocante ao desenvolvimento nacional. No tocante à soberania e tendo em vista o caso brasileiro, o investimento em infraestrutura – inclusive (e sobretudo) a de logística e transporte – é ainda mais imperativo, visto que é ela quem permite que o Estado dê uma pronta resposta às demandas da população e promova o enforcement em relação à lei. E uma vasta região do território brasileiro – mais precisamente a Amazônia – sequer possui o mínimo dessa infraestrutura. Chegar a algumas cidades dessa região só por via navegável ou avião. Ou, quando muito, em estradas que, em época de chuva, tornam-se intransitáveis.

Dito isso, chega a ser cômico – se não fosse trágico – que setores da opinião pública, que muitas vezes criticam (não sem razão) a omissão do Estado brasileiro diante dos problemas que a Amazônia enfrenta, mas, ao mesmo tempo, se opõem a iniciativas que permitiriam uma resposta mais pronta e uma presença mais efetiva do mesmo Estado por lá. Resta saber se essa contradição é por ignorância ou por má fé. A propósito, voltando a falar do IHS norte-americano, cabe dizer que uma das finalidades da construção desse sistema de autoestradas era auxiliar na logística da Defesa do país. Em tempos de Guerra Fria, isso fazia um gigantesco sentido.

Assim sendo, qualquer governante que venha a gerir o nosso Brasil pelos próximos quatro anos precisa enxergar a Infraestrutura enquanto política de Estado, no sentido de não só assegurar o desenvolvimento do país, mas também a presença do Estado brasileiro em todas as regiões. Na verdade, diria que essa é uma condição sine qua non para o primeiro objetivo.

Evidente que, apesar de necessário, desenvolver a infraestrutura não é o suficiente para tornar um país grande e forte. Mas isso é assunto para outro artigo. Até a próxima.

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