Ideb e a longa marcha para fora do buraco
- Marcos Junior
- 23 de ago. de 2024
- 5 min de leitura
Marcos Jr. [1]
Quem trabalha na área de educação como eu – especialmente no ciclo básico – sabe que ao final de cada semestre ou ano letivo há um evento conhecido, esperado e, em alguns casos, temido: o conselho de classe. Trata-se de uma reunião em que sentimentos como alívio, lamentação, esperança (mesmo que pequena) e indignação se alternam e misturam, não necessariamente nesta ordem.
E menciono a esperança pois, no caso dos alunos, a depender do regulamento da instituição de ensino ou da rede a qual esta está filiada, mesmo que o aluno não consiga a nota mínima para aprovação (geralmente maior ou igual a 60% da nota máxima), a depender de outros aspectos a serem discutidos em reunião, ele pode ainda “passar”, por assim dizer. Onde atuo, por exemplo, alunos que obtiveram pelo menos 50% da nota máxima teriam sua situação passível de discussão e, mediante aval dos professores, aprovação no conselho.
“Mas, afinal de contas, o que raios isso tem a ver com o Ideb - (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)?, creio que alguém esteja perguntando. Bem, na semana passada foram divulgados os resultados do Ideb [2], indicador criado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) – uma autarquia federal ligada ao MEC (Ministério da Educação). Trata-se de um índice calculado a partir de dois fatores: desempenho dos estudantes no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), com provas de matemática e português aplicadas a cada dois anos; e taxas de aprovação escolar. Esse índice varia de 0 (zero) a 10 (dez).
Para os estados que figuraram e esperavam figurar nas primeiras posições desse ranking, seja no Ensino Fundamental (I e II), seja no Ensino Médio, a divulgação da notícia foi motivo de franca comemoração: Ronaldo Caiado (UNIÃO), governador de Goiás, comemorou os resultados [3], sobretudo no Ensino Médio, cuja rede estadual é considerada a melhor do país; Renato Casagrande (PSB), governador do Espírito Santo, também comemorou, visto que a rede estadual obteve a vice-liderança no Ensino Médio [4]. É preciso, também, fazer uma menção honrosa para a rede estadual do Pará, que pulou da penúltima para a sexta posição [5] entre 2021 e 2023.
No entanto, outros estados não tiveram o que comemorar em relação aos resultados: São Paulo, o estado mais rico e com a maior rede estadual na federação, viu o resultado piorar em relação a 2021; e o Rio de Janeiro despencou tanto em nota como em posição relativa – a penúltima do ranking, desempenho inferior mesmo se comparado a estados em situação financeira semelhantemente ruim, como Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Não menos desabonador é o fato de que, mesmo entre os estados que melhoraram seu desempenho, apenas três deles igualaram ou superaram a meta [6] estabelecida para 2021 (e postergada para o ano passado): Goiás (líder do ranking), Pernambuco (4º lugar) e Piauí (7º lugar).
Tais fatos, por si, evidenciam o longo caminho que o ensino público brasileiro tem para sair do descalabro crônico e endêmico que o acomete – a propósito, tema de meu artigo de estreia [7]. No entanto, quando lembramos que o índice vai de 0 a 10, as considerações que fiz ainda no início do artigo e o fato de que a melhor rede estadual do país (Goiás) entrega a nota de 4,8, a conclusão é clara, evidente e cristalina: se as redes públicas estaduais do final do ensino médio fossem cada uma um aluno, todos estes seriam irremediavelmente reprovados, sem chance de discussão no conselho de classe. Parece uma dura constatação, e é mesmo.
Aliás, quando estendemos o critério e avaliamos o desempenho do Ensino Fundamental [8] a situação é apenas um pouco melhor: quando observamos os anos iniciais, apenas 11 estados conseguem, por assim dizer, uma “aprovação direta” – o melhor é o estado do Paraná, com nota 6,7; já nos anos finais, nenhum deles obtém a média – os melhores são Paraná e Goiás, empatados com 5,5 – e apenas 10 estados possuem nota acima de 5. Em resumo, temos um Ensino Fundamental na melhor das hipóteses medíocre nas séries iniciais, sofrível nas séries finais, e um Ensino Médio muito abaixo da crítica.
Isso fica evidente quando se observa as habilidades existentes nos alunos que terminam o Ensino Médio, em tese prontos para ingressar no ensino superior – ou pior, a falta delas [9]: não conseguem determinar o próximo elemento de uma sequência lógica de números; não sabem calcular o reajuste de um valor dado um percentual; não identificam argumentos de contos, não entendem o principal sentido de uma notícia e não reconhecem humor ou ironia em crônicas. Veja bem, estamos falando de habilidades básicas para lidar com situações do dia a dia. Sequer estamos falando de preparar os alunos para com tecnologias disruptivas recentes, como por exemplo, a inteligência artificial.
Mesmo quando falamos das melhores escolas do país [10] no ranking (tendo o Ensino Médio como referência), é preciso lembrar alguns pontos: primeiro, trata-se de um universo ínfimo [11] – apenas 182 escolas de Ensino Médio em todo o país conseguiram obter um índice igual ou superior a 6 (“média”, por assim dizer), sendo que quando recortamos as 100 melhores, as que estão no final desse recorte estão com 6,2 no Ideb, e apenas 13 escolas figuram com nota superior a 7. Ou seja, a “elite” do ensino público brasileiro, incluindo instituições que passam por um processo seletivo em relação aos alunos, possui um desempenho, salvo um seletíssimo grupo, apenas um pouco acima da mediocridade, no sentido de “mediano”.
Mas, creio que alguém esteja se perguntando se a solução não seria matricular a molecada nas escolas particulares ou até mesmo privatizar o ensino público, como algumas sumidades do campo liberal defendem. Se formos observar pelas notas de matemática do PISA [12] (Programa Internacional de Avaliação de Alunos, em inglês), até é possível esperar algo melhor, mas nada que anime muito: o desempenho dos alunos que estão no grupo dos 20% mais ricos é comparável ao da classe média nos países que integram a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e comparável ao dos 20% mais pobres do, pasmem, Vietnã. Isso mesmo, estamos falando do Vietnã, um país emergente, que há cerca de 50 anos estava arruinado por uma brutal guerra contra os EUA.
Feito esse breve diagnóstico da Educação Básica brasileira, é inacreditável que o debate público sobre esse tema caia em diversionismos [13] sobre as escolas estarem ensinando, supostamente, “comunismo” e “ideologia de gênero”, sendo que boa parte mal consegue dar conta de fazer com que a molecada aprenda a usar a língua portuguesa e a fazer contas de maneira correta. A propósito, muito mais fácil e eficaz seria essa doutrinação em escolas de elite [14], com mensalidades da ordem de cinco dígitos.
Em suma, estamos ainda num buraco similar a da ilustração da caverna de Platão, quando o assunto é a educação em nosso país. E, comemorações à parte, reconhecer a real situação é fundamental para começarmos a pensar em algo para sairmos dela. Até a próxima.
[1] Formado em Engenharia de Produção, Especialista em Gestão Pública e servidor público.
[2] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2024/08/goias-tem-melhor-nota-do-pais-para-dispara-sp-e-rj-caem-veja-ranking-do-ensino-medio.shtml
[3] Disponível em: https://goias.gov.br/educacao/goias-tem-a-melhor-educacao-do-brasil-ressalta-caiado-ao-comemorar-1o-lugar-no-ideb/
[4] Disponível em: https://www.agazeta.com.br/agora/ideb-2023-ensino-medio-do-es-esta-entre-os-melhores-do-pais-0824
[5] Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/radar/para-saltou-20-posicoes-no-ranking-do-ideb-para-o-ensino-medio
[6] Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/noticia/2024/08/14/ideb-2023-so-tres-redes-estaduais-bateram-meta-do-ensino-medio-veja-a-lista-de-todos-os-estados.ghtml
[7] Disponível em: https://www.brasilgrande.org/post/o-desafio-da-educa%C3%A7%C3%A3o-brasileira-e-as-miopias
[8] Disponível em: https://exame.com/brasil/ideb-2023-veja-resultado-por-estado-e-regiao/
[9] Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2024/08/14/ideb-2023-veja-dados-do-indice-que-mede-a-qualidade-da-educacao-brasileira.ghtml
[10] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2024/08/veja-as-100-melhores-escolas-de-ensino-medio-do-pais-segundo-o-ideb-2023.shtml
[11] Disponível em: https://download.inep.gov.br/ideb/resultados/divulgacao_ensino_medio_escolas_2023.zip
[12] Disponível em: https://x.com/joaomviso/status/1823761336691560703
[13] Disponível em: https://x.com/eleicoesempauta/status/1823719067649454327
Comentários