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Estado empresário e Estado planejador: o que importa mais?

Desde 2008, com a crise econômica mundial que teve como estopim a quebra do Lehman Brothers, e, sobretudo a partir de 2020, com os efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia de Covid-19, o modelo econômico neoliberal, em voga desde a ascensão dos governos de Ronald Reagan e Margaret Thatcher nos EUA e Reino Unido (respectivamente), passou a ser duramente questionado. O trinômio formado por livre mercado, desregulamentações e privatizações, visto como o “elixir da prosperidade” e que teve alguma sobrevida na Europa com as medidas de austeridade após a crise de dívida do início dos anos 2010, não entregou, em muitas ocasiões, os resultados prometidos.

Como no Brasil as discussões costumam atrasar – embora bem menos em relação à antes – essa contestação só viria, de fato, em 2020, com o estouro da pandemia. Enquanto muitos países, incluso os de economias mais liberais, empreendiam verdadeiros esforços de guerra para produzir os materiais necessários, o Brasil, em um primeiro momento, se viu em um verdadeiro “mato sem cachorro”, visto que precisava importar até mesmo as máscaras. Ficou clara e evidente a necessidade de um papel mais efetivo do Estado em uma situação tão crítica, que serviu tão somente para “apagar incêndios”.

Feita essa introdução, uma discussão que – a despeito das idas e vindas – permanece constante é o papel do Estado na economia. Após um ciclo secular de laissez-faire até o crash de 1929, seguido pelo modelo keynesiano entre os anos 1930 e o final dos 1970, pelo modelo neoliberal dos anos 1980 aos 2010, a atual década tende a ser marcada pela discussão sobre qual modelo devemos adotar para gerir a economia global. E, entre os pontos principais dessa discussão, está em saber qual o papel do Estado na economia.

Para nós, nacionalistas – este que vos escreve incluso, o Estado precisa ter um papel mais ativo na economia, não se resumindo ao mero papel de regulador enquanto deixa a “mão invisível” do mercado (historicamente ela é bem visível) agir. Por sinal, esse escopo ativista é o que ocorre de fato, inclusive em países liberais, enquanto usam de retórica pra tentar justificar a contradição e seu soft power para tentar moldar a opinião pública em países potencialmente concorrentes, muitas vezes sendo bem-sucedidos (isso remete a alguma coisa por aqui?). Contudo, a partir deste ponto, a gama de opções para esse papel ativista se amplia, e, creio eu, surgem diferenças fundamentais.

Tendo em vista o período de grande crescimento econômico marcado pelo modelo nacional-desenvolvimentista que o Brasil teve entre os anos 1940 e 1980, muitos acabam defendendo a volta do “Estado empresário”, período em que o Estado atuava em múltiplas frentes da economia por meio de empresas públicas, seja no setor produtivo, seja no setor financeiro. O próprio Partido dos Trabalhadores (PT), ao menos na retórica, acaba dando esse enfoque no seu modelo econômico. Evidências disso foram a criação de diversas estatais ao longo de seu primeiro ciclo no poder, entre 2003 e 2016.

No entanto, por mais necessário que em certas ocasiões, seja por falta de interesse dos agentes do “mercado” ou mesmo por razões estratégicas que fazem parte da raison d’être do Estado, se estabeleçam estruturas públicas capazes de atender a essa finalidade, por outro lado estabelecê-las simplesmente por estabelecer, por muitas vezes, não levará a economia nacional a atingir os objetivos de desenvolvimento esperados. A depender da situação, pode ser contraproducente, visto que fragmenta excessivamente o poder de ação do Estado, em vez de aproveitar a sinergia entre atividades que se sobrepõem ou se complementam. O resultado pode ser uma estrutura estatal paquidérmica, mas fraca, sem prejuízo de reforçar o discurso liberal de que estatais são “cabides de emprego”.

Um exemplo dessa ideia de fazer da criação de estatais um “martelo para qualquer prego” é a proposta de Aloízio Mercadante, presidente do BNDES, de criar até três empresas públicas para coordenar investimentos em Defesa. Sem dúvidas que a intenção da proposta é boa – historicamente muitas das inovações que o mundo conhece hoje em dia surgiram a partir de investimentos na área de defesa – o próprio surgimento da Internet é uma delas, mas é realmente preciso criar três estatais para essa finalidade?

Não seria melhor aproveitarmos uma estatal que já temos na área – a Imbel –, redefinir seu escopo e encampar a Avibras, fazendo parcerias estratégicas com empresas públicas e privadas com relação direta como a Ceitec e a Embraer, estrela da aviação nacional? Seria muito mais fácil aproveitar a sinergia decorrente desse arranjo, como abordei antes, sem prejuízo de facilitar o planejamento por parte do Estado para um setor tão crítico para qualquer nação que queira ser soberana.

E já que tocamos no ponto do planejamento, um ponto que muitas vezes não tem sido levado em consideração, mas é tão ou mais importante que a ideia de um “Estado empresário” é a ideia de um “Estado planejador”, não só no sentido estrito de planejar os próximos passos do desenvolvimento econômico, delimitando os atores envolvidos, recursos e metas, mas também coordenando esforços não só do setor público, mas também da iniciativa privada e da sociedade civil.

Comparo esse papel a de um maestro regendo uma orquestra, fazendo com que dos diversos músicos e instrumentos envolvidos saia uma melodia agradável e harmônica. É possível que saia algo sem um bom maestro? Até é, mas não há dúvidas que de podem sair arpejos e acordes dissonantes nesse processo. Da mesma forma, um Estado fortemente planejador e coordenador dos esforços dos diferentes agentes da sociedade na economia ajuda a torna-lo mais concordante.

Esse destaque do papel planejador e coordenador do Estado é bem colocado pela economista italiana Mariana Mazzucato, seja em O Estado Empreendedor, seja em Missão Economia. Nesta última obra – a qual ainda estou lendo – a autora menciona o projeto que levou ao lançamento da Apollo 11, missão dos EUA que colocou o ser humano para pisar na Lua pela primeira vez, ressaltando o papel articulador do Estado dos esforços não só do setor público, mas também da iniciativa privada, resultando em inovações que não só serviram para a missão, mas também transbordaram para o dia-a-dia.

Em suma, um estado empresário pode ser importante e necessário em diversos momentos, mas é fundamental um Estado planejador, coordenador, direcionador e articulador. É com ele que poderemos dar o salto de que o nosso país precisa.

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