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Déficit de armazenagem de grãos e segurança alimentar: uma proposta de solução integrada

Atualizado: 26 de ago. de 2023

Para aqueles que me acompanham há mais tempo não é a primeira vez que escrevo sobre a importância da segurança alimentar no Brasil (recomendo a leitura de meu artigo sobre em setembro passado), sobretudo sobre a necessidade de se implementar ou retomar políticas públicas que permitam o país atravessar choques de oferta ou de custos com o menor impacto possível aos consumidores, algo negligenciado nos últimos anos e que resultou em cerca de 1/3 da população brasileira em algum grau de insegurança alimentar, segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU).

Trata-se de um indicador inaceitável para um país conhecido – e exaltado – por ser o “celeiro do mundo”, com produção recorde de cereais, leguminosas e oleaginosas esperada para este ano de cerca de 307 milhões de toneladas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sem prejuízo das safras de outros gêneros agrícolas e do abate de animais para a produção de carne. Uma cena emblemática ocorrida nos últimos anos e que ilustrou bem esse descompasso foi a fila de pessoas para comprar ossos em Cuiabá (MT), um dos principais estados que compõem a fronteira agrícola brasileira.

Além disso, o próprio setor agrícola enfrenta um sério problema tão logo a safra ocorre (e nem me refiro à infraestrutura de transporte, não obstante ela também ser uma limitação): segundo a consultoria COGO Inteligência em Agronegócio, o déficit de armazenagem para este ano está em cerca de 124 milhões de toneladas. Em outras palavras, mais de 1/3 da produção de grãos fica ao relento, perdendo qualidade e, consequentemente, valor, resultando em um prejuízo que, para este ano, está esperado em cerca de R$ 30 bilhões.

De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), seriam necessários, anualmente, R$ 15 bilhões em investimentos apenas para fazer com que a armazenagem acompanhe o crescimento da produção de grãos no Brasil. No entanto, entre os R$ 5 bilhões destinados ao Plano Safra 2022/23, apenas R$ 50 milhões foram alocados para a construção de silos, um valor ínfimo.

Temos, portanto, dois problemas crônicos na cadeia de suprimento do agro brasileiro (e estes não são os únicos, cabe reiterar aos leitores): de um lado, uma estrutura de armazenagem de grãos insuficiente para comportar os sucessivos recordes de produção, fazendo com que parte desta perca qualidade e valor, gerando prejuízos ao país; do outro, uma posição de estoques reguladores de produtos agrícolas zerada há anos, deixando o consumidor final no país vulnerável aos humores do câmbio e do que fica para o mercado interno após as exportações, levando, nos últimos anos, a contrassensos como o fato de nós, grandes produtores e exportadores de soja, precisarmos importar o grão para produzir óleo.

Quem leu meu artigo sobre segurança alimentar em setembro passado sabe que defendo, como uma das estratégias para assegurá-la em nível nacional, um fortalecimento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), dando a ela um papel de “Banco Central (BC)” nesta área em nosso país. E, tendo em vista isso, enxergo na Conab um potencial para ser “ponta de lança” para solucionar estes dois problemas crônicos.

Em linhas gerais, a ideia consiste em fazer com que a Conab, por ela mesma ou articulada às centrais de abastecimento (Ceasas) dos estados e entes privados (em participação minoritária), invista na construção de silos públicos em capacidade suficiente para zerar o déficit de armazenagem existente no Brasil – cabe lembrar que o investimento necessário anual para isso, como mencionado antes, seria de R$ 15 bilhões por ano, cerca de 15 vezes o orçamento da Companhia para 2023 (ver a página 90 da PLOA), daí a possível necessidade de articulação. Com isso, a Conab passaria para a posição de principal armazém do agro brasileiro, podendo alocar esses espaços para os produtores estocarem suas colheitas.

Mas creio que alguém esteja se perguntando: onde que entra o aspecto da segurança alimentar nessa estratégia? Temos o “pulo do gato”: para além das possíveis taxas de aluguel que a Conab cobraria dos produtores para a estocagem dos grãos em seus silos – uma alternativa, sem excluir a primeira, poderia implementar uma taxação progressiva às exportações e usar o arrecadado para financiar a construção e manutenção dessas estruturas, a Companhia – semelhante ao procedimento de depósito compulsório que os bancos precisam fazer ao BC – exigiria a manutenção de um percentual das colheitas em seus armazéns, mediante uma taxa de remuneração. Sem prejuízo disso, poderia ser exigida uma venda preferencial de outro percentual de produção, esta mediante o pagamento do valor médio de mercado praticado em um determinado período, acrescido também de uma taxa de remuneração.

Como explicado em meu artigo sobre segurança alimentar, essa produção recolhida compulsoriamente seria usada tanto para lidar com choques de oferta como para fins de política industrial. Em caso de superprodução, a Conab, em articulação com bancos públicos e cooperativas, poderia estimular o beneficiamento dos excedentes, agregando valor a tais produtos, dando prioridade ao mercado nacional. Cabe lembrar ainda que, para a construção e manutenção de tais estruturas de armazenagem, também seria instituída uma política de preferência por empresas nacionais.

Acredito que alguns estejam se perguntando: “isso na prática não significaria aumentar o dirigismo do Estado sobre o agro?”. Minha resposta, bem franca, é sim e não. Sim, pois na prática isso aumentaria a regulação sobre o setor, tornando-o quase um braço “paraestatal” da economia brasileira. Por outro lado, não, visto que tais medidas deveriam ser vistas como uma justa e razoável contrapartida ao apoio que o Estado dá ao setor (que, por sinal, é um dos que pagam menos impostos), seja via crédito no Plano Safra, seja ajudando na pesquisa e desenvolvimento de variedades de sementes de culturas que, antes adequadas apenas aos climas temperado e subtropical, podem hoje ser plantadas em terras tropicais.

Sei que esta proposição está longe de esgotar a discussão sobre esses temas – e nem é esse o meu objetivo – e acredito que a ideia pode e deve ser aperfeiçoada. Assim sendo, encerro meus “dois centavos” de contribuição. Até a próxima.


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