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Discursos dissonantes e custo fiscal da política industrial: O caso norte-americano - Parte 1

Seguindo a linha do meu artigo anterior, sobre a necessidade da adequação das políticas econômicas ao contexto atual, neste artigo analiso a questão do custo fiscal da política industrial, bem como a exposição de algumas inconsistências entre o discurso proferido por alguns países a respeito das agendas econômicas importantes e a real implementação destas por parte deles.

Um exemplo importante e emblemático é o nosso vizinho do norte, os Estados Unidos. Desde pelo menos os anos 80, de acordo com Robert H. Wade, o consenso americano de que conceitos como “política industrial”, “política tecnológica” e “política de inovação” são anátemas em círculos políticos, sinônimos de “welfare corporativo” ou “picking winners”. De acordo com Wade, embora o discurso seja este, os Estados Unidos representam um paradoxo. Enquanto o discurso foi dominado pela narrativa da predominância do mercado e de suas forças, o governo norte-americano levou para a frente muito mais políticas industriais do que a narrativa do discurso. Wade deixa claro que isso ocorre desde a fundação da República até os dias de hoje, incluindo a promoção de tudo o que se tornou inovação tecnológica (tecnologias de propósito geral).

Wade analisa os argumentos usados para justificar a alegação de que o governo norte-americano não tenta ou ao menos não deveria tentar incentivar certas indústrias, exceto em casos ocasionais de “falha do mercado”. No entanto, os mesmos que argumentam nesse sentido não enfatizam que uma agência governamental americana deu origem à Internet. Wade afirma que a taxa de retorno do financiamento público dessa inovação deve ser grande o suficiente para superar qualquer erro cometido pelo governo em qualquer outra área em torno dos domínios da política industrial.

Para Wade, se o governo americano de fato foi muito mais ativo em promover tecnologias particulares e indústrias do que é geralmente entendido, é importante que tal fato seja mais conhecido de maneira geral, pois o governo norte-americano, de maneira direta e indireta, através de organizações como o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio, tem afirmado que “a melhor política industrial é não ter nenhuma”.

Para Wade, a política industrial e a sua defesa não iguala atividade industrial com o processo de fazer objetos tangíveis, mas sim fazendo referência a toda uma cadeia de valor envolvida na manufatura das coisas, inclusive os serviços dos cientistas e engenheiros que desenvolvem e testam, sejam remédios, automóveis ou celulares. De acordo com o autor, o que diferencia a política industrial de outras políticas é que ela é necessariamente seletiva entre as indústrias, produtos e estágios da cadeia de valor.

Acerca do complexo industrial-militar norte-americano, Wade afirma que ele poderia ser denominado de maneira mais precisa como “complexo governamental-industrial-militar”, tendo em vista que o governo lançou, sobretudo a partir da segunda guerra mundial, uma série de inovações fundamentais, entre elas a bomba atômica, a bomba de hidrogênio, a tecnologia dos mísseis, a energia nuclear para o domínio civil, computadores, o transistor, satélites, entre outras coisas.

Investimentos estatais na área de defesa, ao longo dos anos 70, por meio da DARPA (US Defense Department’s Defense Advanced Research Projects Agency), financiaram pesquisas para Universidades como Stanford e California. Nas décadas subsequentes, agências governamentais em nível nacional, estadual e mesmo em nível municipal, financiaram a pesquisa e o desenvolvimento de setores especificamente selecionados, fazendo uso do controle de fundos para construir e sustentar os elos entre empresas, cientistas, engenheiros, investidores e universidades, segundo Wade, de uma maneira que escapa da dicotomia simplista de “pick winners” ou “política industrial horizontal”. De acordo com Wade, a DARPA foi lançada em resposta ao lançamento do satélite soviético Sputnik. Desde então, tem sido o líder em estímulos à inovação tecnológica em computação, semi-condutores e linguagem de programação.

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