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Considerações sobre o primeiro turno eleitoral.

No último domingo, 02/10, o Brasil, sob grande expectativa, foi às urnas eleger deputados federais e estaduais, senadores, governadores e o Presidente da República. E, após algumas horas de apuração, o país conheceu, em parte, o cenário: fortalecimento da direita no Legislativo federal, segundo turno para governador em doze estados – incluso o meu Espírito Santo, em que, após 28 anos, precisará de uma nova rodada para definição final, bem como um segundo turno polarizado entre o ex-presidente Lula, que terminou na liderança (com 48,43% dos votos), e o presidente e candidato a reeleição Bolsonaro, que terminou em segundo (com 43,20% dos votos).


Apresentado este cenário parcial, vamos às considerações sobre alguns dos resultados, bem como alguns temas que precisam ser abordados nesta rodada, sobretudo na eleição presidencial:


1 - Precisamos falar sobre a metodologia das pesquisas eleitorais


Se há perdedores líquidos e certos após o fechamento das urnas, estes foram os institutos de pesquisa, que, em sua esmagadora maioria, erraram – grosseiramente – os resultados dos tradicionais levantamentos realizados às vésperas das eleições. No caso das presidenciais, ainda que o resultado final de Lula tenha fechado próximo ao das pesquisas, com divergências da ordem de 4 pontos percentuais, as discrepâncias quanto a Bolsonaro foram muito maiores, chegando a quase 9 pontos nas pesquisas Ipec e Ipespe (e 8 no Datafolha). No caso das pesquisas para governadores de estados e senadores, erros ainda mais absurdos foram constatados.


E os argumentos apresentados tampouco ajudam a melhorar a imagem – em alguns casos, como o do “voto útil” de última hora dado pelo Datafolha, ou da “atitude de 2º turno do Ipec”, tornam a situação ainda mais constrangedora. Uma autocrítica por parte dos institutos de pesquisa, e uma profunda revisão da metodologia das mesmas, considerando as mudanças no perfil da população brasileira, é fundamental.


Outro ponto não menos importante é que, tendo em vista que, querendo ou não, as pesquisas de opinião – não só as eleitorais, mas as de avaliação sobre temas do cotidiano e mesmo as de audiência, por exemplo – moldam as decisões do público, precisamos pensar em um marco regulatório para as mesmas, inclusive estabelecendo uma agência reguladora para disciplinar este trabalho.


2 - Com ou sem Bolsonaro eleito, a direita ganhou musculatura


Diferente de 2018, em que o crescimento da direita ocorreu de maneira quase que exclusiva de forma top-down, com candidatos que ascenderam ao Legislativo ou aos governos estaduais puxados pelo Bolsonaro, desta vez pode-se dizer que parte desse crescimento também foi bottom-up, com um trabalho de formação de uma ampla base neles. Se incluirmos os partidos que integram o “Centrão”, temos um Congresso que pode ser considerado o mais conservador da Nova República.


Mesmo que Bolsonaro não consiga ser reeleito – e é preciso admitir que, mantido constantes o nível de abstenção e os votos brancos e nulos, ele precisa converter pelo menos 80% dos votos destinados aos candidatos eliminados no primeiro turno para não depender de um confronto direto com Lula para esse objetivo – um possível governo petista precisará de realizar mais concessões que o esperado para ser minimamente funcional. Os tucanos dos anos 2000 deixarão saudades, pelo visto.


Caso Bolsonaro se reeleja, terá uma base sólida para governar, inclusive para passar as pautas conservadoras na área de costumes e conduzir questões mais sensíveis, como o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). De qualquer forma, o Legislativo, que já tinha proeminência sobre o Executivo, tende a ter maior protagonismo.


3 - Questões nacionais que precisarão ser abordadas


Feitas as observações dos pontos anteriores, é preciso se levantar questões que precisam ser abordadas pelos presidenciáveis neste segundo turno. Algumas delas, inclusive, abordei em meus artigos neste portal, e gostaria de compartilhar com os leitores.

O primeiro ponto é a educação, tema que virou campo de batalha entre conservadores e progressistas nos últimos anos, esquecendo – lamentavelmente – as questões que realmente importam, que resumem-se, basicamente, a como reverter os sofríveis indicadores de desempenho que, entra governo e sai governo, a rede pública – a exceção das escolas técnicas e militares – segue amargando, ainda mais após a pandemia de Covid-19. Os dados da última prova do Saeb não me deixam mentir. Para ao menos se conter os danos disso, evitando mais uma geração perdida, é preciso tomar medidas urgentes – e enérgicas.


O segundo ponto tem que ver com a infraestrutura. Não obstante a mudança de visão sobre esta por parte da atual gestão, que buscou a tornar a questão um assunto de Estado, reforçando o papel das concessões e terminando obras até então paradas em regiões estratégicas do país, é preciso um passo mais ousado, no sentido de se ampliar agressivamente o investimento público na área. O orçamento disponível para isso sequer assegura a manutenção da malha rodoviária já existente. Para se ter ideia, apenas os investimentos na Via Dutra, uma rodovia de pouco mais de 400 km entre São Paulo e Rio de Janeiro, superam todos os investimentos públicos em infraestrutura neste ano.


O terceiro ponto, consequência da crise econômica desencadeada em 2015 ainda não superada e agravado pela pandemia, tem que ver com a segurança alimentar do país, que se deteriorou dramaticamente nos últimos anos. O desmonte de políticas públicas como a dos estoques reguladores agravou o quadro, uma vez que se trata de um mecanismo que poderia amenizar choques de oferta como os enfrentados nos últimos anos. É preciso uma coordenação do Estado brasileiro com o agronegócio – um setor cada vez mais importante para trazer divisas ao país para garantir uma oferta de alimentos capaz de atender à demanda e preços menos voláteis.


Evidente que há outras questões que precisarão ser abordadas, e que não são menos importantes: economia, saúde, segurança pública, defesa nacional, entre outros. O Brasil chegará a 30 de outubro em sua maior encruzilhada em mais de trinta anos. E os próximos dias serão bastante longos. Até a próxima.

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