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Brasil-Irã, relações históricas.

Renzo Souza Santos 1-

O Irã é um dos países mais importantes para o Brasil no mercado internacional. O país ocupa a 23ª posição no Ranking de Exportações Brasileiras, o que representa 1,03% do que o Brasil exporta para o mundo. Nosso comércio com a terra de Ciro, o grande e dos Aiatolás é sensível, já que exportamos uma parte considerável de nosso setor agroexportador para eles, dentre os produtos exportados podemos encontrar produtos in natura ou até mesmo processados, como é o caso da Soja com 44% das exportações ao lado do milho com 26% e do açúcar com 7.1%.

Por outro lado, o Brasil importa inúmeros bens intermediários para o desenvolvimento do nosso agro, por exemplo, como é o caso da uréia de solução aquosa que totaliza na balança cerca de 86 milhões de dólares quantificados em 600 toneladas importadas, podendo chegar até 2 milhões de toneladas. A uréia aquosa age como um fertilizante, material importante para a manutenção e a reprodução do nosso Agro. O Brasil ainda importa vidro flotado, porcelana, além de produtos farmacêuticos como produtos imunológicos para preparação de medicamentos. Mas, urge uma questão, como essa relação se iniciou? E, é sobre isso que falaremos a seguir.

Durante o periodo do regime militar brasileiro a política exterior do governo Geisel (1974-1979), um conceito importante foi desenvolvido pelos militares. Eles definiam nossa política como um “pragmatismo ecumênico e responsável”, ela recuperava princípios da chamada política econômica independente dos governos trabalhistas dos anos 60 a "PEI", embora não se confundisse com ela. Entre as principais semelhanças estavam os compromissos com a comunidade ocidental, a diversificação dos laços internacionais do país, a expansão do comércio exterior, a luta contra o subdesenvolvimento, a cooperação com os países latino-americanos e as relações “sinceras” com os Estados Unidos.

Nos debates ocorridos no âmbito das Nações Unidas, como nas duas primeiras reuniões da Unctad, em 1964 e 1968, contribuiu para que a ONU, em maio de 1974, adotasse um programa de ações para a construção de uma Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI), atendendo a uma reivindicação surgida no segundo pós-guerra e que ganhara força nas décadas seguintes. Nesse mesmo ano, a adoção do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) brasileiro mantinha o modelo de crescimento econômico com base nos capitais externos, favorecido pelo cenário internacional.

Contudo, como aponta o professor Visentini, os interesses dos países em desenvolvimento não seriam atendidos com facilidade, e novas reuniões internacionais foram realizadas para tratar do tema, como a Conferência sobre Cooperação Econômica Internacional (1975), em Paris, que inaugurou o diálogo Norte-Sul. Em fevereiro de 1980, a Comissão Norte-Sul apresentou relatório sobre o diálogo entre países ricos e países pobres, revelando a profundidade e as dificuldades no tratamento do tema.

Nesse ínterim, o governo Geisel estreitou relações com os países da Europa Ocidental, principalmente Alemanha e França, e o Japão, diversificou os laços, junto às nações africanas e asiáticas, e, além de procurar torná-los mais densos com os vizinhos latino-americanos. Já em relação aos Estados Unidos, o movimento foi de manutenção do envolvimento comercial e financeiro tradicional, ao lado críticas quanto ao descaso de Washington em relação aos países em desenvolvimento e quanto ao projeto nuclear brasileiro, como expõe Andrew Traumann no livro Os militares e os Aiatolás, relações Brasil-Irã (1979-1985);

"O novo padrão das relações com os países africanos do Atlântico e com os do Oriente Médio talvez tenha sido a principal inovação da administração Geisel." P.141

Em meados de 1974, o governo Geisel criou o Programa Nacional para a Exportação de Material de Emprego Militar (Pnemem), elaborado pelo Conselho de Segurança Nacional, (CSN) esse programa chegou a apresentar resultados bastante satisfatórios ao final daquela década. Entre os clientes do Brasil, além de países africanos e do Oriente Médio, estavam alguns de nossos vizinhos, como o Chile, principalmente após o golpe de 1973. A autonomia brasileira, portanto, articulava o setor energético e a indústria bélica, além de estar presente em iniciativas de outra natureza, como a diplomática e a econômica, em preâmbulo.

O grande estrategista militar das nossas relações exteriores nesse período foi Antônio Francisco Azeredo da Silveira, ministro das Relações Exteriores nos anos de 1974-1979, durante o governo do general Geisel operou uma das mais profundas transformações no comportamento internacional do Brasil. Em sua gestão, o Brasil se afastou de Israel e se aproximou dos países árabes; reconheceu a China de Mao Zedung e os regimes comunistas da África lusófona; negociou com a então Alemanha Ocidental o maior projeto de transferência nuclear da época. Além disso, se afastou dos EUA e votou na ONU a favor de uma moção que considerava o "sionismo uma forma de racismo."

Ademais, dentro das diretrizes de Azeredo da Silveira, e diante do refluxo econômico e já sentindo os efeitos da Crise do Petróleo de 1973, é formulada a Doutrina do Pragmatismo Responsável baseado em premissas básicas, sendo:

1) Uma maior aproximação com o Japão e com a Europa Ocidental, sobretudo a então Alemanha Ocidental.

2) Com a Alemanha foi realizado o Acordo de Cooperação Nuclear de 1975, visando diminuir a dependência tecnológica do Brasil em relação aos EUA, adquirir armas nucleares e alcançar a autossuficiência energética.

Em relação ao Irã, o Brasil manteve uma posição pragmática antes e depois da Revolução de 1979, buscando defender seus interesses comerciais, sendo incisivo em relação ao governo iraniano de acordo com o grau de dependência em relação ao fornecimento de petróleo iraniano. Fica nítido por exemplo, que Paulo Braz Pinto, embaixador do Brasil em Teerã durante o período do Xá, quando o comércio com aquele país era incipiente, fazia duras críticas ao que considerava um comportamento inconsequente do regime do Xá, especialmente na relação com os seus vizinhos.

Segundo o Professor Visentini, em sua obra Regime Militar e suas relações exteriores, o Brasil chegou a descobrir petróleo na região de Basrah, no Irã, na região dos Campos de Majoon cuja capacidade para fornecimento de petróleo era na casa dos 4 mil barris/dia. Em abril do mesmo ano, o nosso então ministro da Fazenda do Brasil professor Mário Henrique Simonsen e o ministro das finanças do Irã estabelecem em Nova York a compra de 1 bilhão de dólares de petróleo ao ano do Irã, em troca de produtos brasileiros. Ficou acertado também aquisição de milho e arroz do Brasil para exportação. vislumbradas oportunidades para o Brasil no setor agrícola, da construção civil e de exportação de carne, que poderiam se somar às já tradicionais exportações de óleo de soja e açúcar, produto sobre o qual o Brasil insistentemente tentava assinar um acordo de longo prazo com o Irã para garantir receitas mais estáveis e que eram responsáveis por 80% do comércio brasileiro com aquele país, tornava-se, portanto, algo inestimável para nossos negócios.

Em junho daquele ano, a Comissão Mista Brasil-Irã se reuniu para uma avaliação de seu primeiro ano. O "Brazil Iranian Consortium" formado pela Andrade Gutierrez (construção civil), pela Electro Consult (projetos de engenharia) e a Indústria Elétrica Brown-Bovari (equipamentos eletromecânicos), cujos principais projetos eram a Extensão da Hidrelétrica de “Reza Shah Kabir”, a Ferrovia Bandar Abbas com 400 quilômetros de extensão, a Rodovia Arak-Andimischk e ainda fornecimento de minério de ferro, açúcar e construção de uma usina de beneficiamento de soja. Fica claro aqui uma ampla colaboração bilateral com a construção de uma cadeia produtiva compartimentada entre ambos países.

Para o governo brasileiro, apenas o incremento do comércio com o Irã, especialmente em obras de infraestrutura poderia fazer com que o Brasil alcançasse um mínimo equilíbrio em sua balança comercial. Ainda no ano de 1977, o Brasil importou do Irã um total de US$ 426,5 milhões de dólares e exportou US$ 95,6 milhões. Desde a assinatura do acordo em junho de 1977 até o fim daquele ano, as importações diretas da Petrobras haviam sido na ordem de US$ 194,6 milhões enquanto no mesmo período as exportações atingiram US$ 76,1 milhões. Baseado nestes dados oficiais, durante o segundo semestre de 1977 as exportações brasileiras representaram 39,1% do total de nossas importações de petróleo, excedendo inclusive o objetivo inicial do acordo em 9%.

Assim, o Brasil já havia cumprido o compromisso de dobrar a aquisição de petróleo de 80 mil barris diários para 160 mil antes do prazo estipulado. Como a maior parte das vendas do Brasil ao Irã se concentram em produtos agrícolas, o acordo só pode ser levado adiante se o Irã abrir seu mercado aos produtos brasileiros. Como explica o professor Andrew Traumann, em relatório, através da reunião de órgãos técnicos do Brasil como MRE, Incra, Embrapa e Ministério da Agricultura, "foi lembrada a flagrante evolução do comércio bilateral, que saltou de insignificantes US$ 9 milhões de dólares em 1972 para US$ 450 milhões cinco anos depois e cuja expectativa para 1978 era alcançar a marca de US$ 1 bilhão no comércio bilateral."

Durante o período pós revolucionário, é marcado um encontro em fevereiro de 1979, do embaixador Bittencourt com Mehdi Bazergan primeiro ministro do Irã na época, que agradece o reconhecimento do novo governo pelo presidente Geisel e afirma querer manter com o Brasil as melhores relações de amizade e cooperação. Além do Brasil, em fevereiro já haviam reconhecido o novo regime França, Grã-Bretanha, Bélgica, Holanda, Polônia, Dinamarca, Tchecoslováquia, Afeganistão, Japão, China, Kuwait e Jordânia.

No final de fevereiro, Bittencourt é recebido por Hassam Nazib, da Nioc ( grande empresa nacional petrolífera do Irã). que assegura que o Brasil não será afetado pelas novas diretrizes do governo iraniano em relação à venda de petróleo. Até esse momento, o certo era a suspensão das vendas e das relações diplomáticas com Israel e África do Sul. Em março, seria assinado um acordo no qual a petrolífera iraniana se compromete a fornecer ao Brasil, entre abril de 1979 e junho de 1982, 200 mil barris diários de petróleo leve e pesado, de acordo com os preços estipulados pela Opep. Nesse ínterim, a Petrobrás, representada por José Carlos de Souza, Armando Coelho e Renato Silveira se mostrou satisfeita com o contrato de longo prazo obtido.

No Brasil, o tratado sem a deferência que julgava merecer, anuncia por meio de missão da Petrobras liderada por Armando Coelho que em consequência do aumento da produção interna, da redução do consumo interno e dos vantajosos preços oferecidos pelo Iraque (fornecedor de quase 50% das importações brasileiras de petróleo), aliado aos altos preços estabelecidos pelo Irã, desejava reduzir suas importações de países com preços muito elevados. O Brasil reduziu suas compras de 200 mil barris diários em 1978, para 120 mil em 1979 e finalmente para apenas 60 mil em 1980. A política irrealista de preços fez com que as importações iranianas caíssem pela metade em relação ao Antigo Regime.

Nesse sentido o Itamaraty, em coordenação com o grupo Petrobras, tem favorecido e apoiado iniciativas empresariais, as quais se originaram sobretudo da visita ao Brasil, no primeiro semestre de 1982 da Missão Djarrahi, nessa época já estávamos dentro daquilo que Visentini definiu como o Universalismo da era Figueiredo. Segundo Professor Andrew Traumann, argumenta o seguinte:

"No mês de setembro do ano passado a INTERBRÁS/PETROBRÁS organizou missão empresarial ao Irã, a qual gerou bons negócios. Desde então, normalizaram-se gradativamente os vínculos comerciais bilaterais com a ida a Teerã de número cada vez maior de empresários brasileiros, sem contar com as missões setoriais, no campo de equipamentos petrolíferos, produtos siderúrgicos, produtos agrícolas e outros, promovida pela própria INTERBRÁS, com a cooperação da iniciativa privada. Tal esforço conjugado dos setores público e privado permitiu que, em janeiro último aquela “trading company” governamental agenciasse negócios da ordem de US$ 50 milhões, dos quais US$ 47 milhões em produtos siderúrgicos. Por outro lado, a decisão de retomarem-se as importações de petróleo do Irã, suspensas por cerca de dois anos, visou sobretudo a criar condições ainda mais favoráveis à ampliação do intercâmbio comercial, o qual de resto tem-se situado em níveis bastante expressivos, sob a perspectiva brasileira, após a implantação do atual regime político iraniano." P.205.

Na virada do século, principalmente a partir dos governos petistas, as relações com o país persa voltaram a se estreitar. A política externa do Brasil seguiu uma linha que priorizava aquilo que o Professor Francisco Doratioto classificou como:

1) Regionalismo aberto. Que partia dos estudo da Cepal, e a partir de 1994, o regionalismo aberto torna-se um processo de crescente interdependência em nível regional, em um contexto de liberalização e desregulação econômica capaz de fortalecer a competitividade dos países da região e, na medida do possível, constituir a formação de blocos para uma economia internacional mais aberta e transparente.

2) Por consequência temos a "Semiperiferia". Entende que o País que se encontra em situação intermediária entre as economias desenvolvidas e as subdesenvolvidas, apresentando características híbridas e desempenhando diferentes papéis no cenário internacional. Nesse caso é um país dependente diante das economias avançadas e defasado em termos tecnológicos e de recursos humanos, mas que, em relação aos países mais pobres surge como fonte de capitais e de manufaturados. Durante os mandatos petistas, o Brasil foi à criação do Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), em Brasília (2003), uma retomada simbólica da rota das caravelas, com o objetivo de promover consultas e inciativas conjuntas em temas de interesse mútuo. Essa iniciativa surpreendeu em termos de aprofundamento vertical e horizontal, traduzido em diversas reuniões de cúpula para tratar de temas como: inclusão social e desenvolvimento, comércio (incluindo o Mercosul), segurança, tecnologia da informação, energia, saúde e alimentação. A cooperação Sul-Sul foi a tônica do fórum IBAS, com o grupo de países do chamado BRICS (Brasil, Rússia, Índia e China), formalizado em 2007, tinha vocação essencialmente política, sem se descuidar de temas comerciais e econômicos.

Com relação ao Irã, o Brasil foi um importante mediador entre o Irã e os países atlantistas para manter a decisão acerca das condições estabelecidas em 2009 para o P5+14, (plano de ação conjunto) sobre a criação, armazenamento de artefatos nucleares. Um dos pontos do tratado ficava acertado a quantidade de urânio a ser dispensada que não fosse maior do que mil quilos; que a troca de urânio enriquecido por combustível deveria ser feita no Irã; de modo que o urânio levemente enriquecido apenas deixaria o país quando chegasse o combustível.

Junto ao Brasil, outro país da região em colaboração também atuou como mediador, no caso, o país em questão foi a Turquia, que contrário de seus predecessores, ambos conseguiram resolver todos os impasses, estabelecendo na Declaração que:

A) seriam trocados mil e duzentos quilos de urânio levemente enriquecido por cento e vinte quilos de combustível;

B) o Irã aceitaria que a troca fosse feita fora de seu território, no caso, na Turquia;

C) a transferência se daria de maneira não simultânea, já que o combustível poderia demorar até um ano para ser entregue. Ainda: o Irã enviaria uma carta à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) comprometendo-se formalmente aos termos do swap.

Essencial para o sucesso das conversas, como já comentado, foi o reconhecimento pelo Brasil e pela Turquia do direito, previsto no TNP, dos países desenvolverem-se nuclearmente para fins pacíficos e tecnológicos. Este ponto foi expresso no primeiro ponto da declaração, que lê-se, de acordo com reportagem veiculada pelo portal e notícias G1 à época:

"Reafirmamos nosso compromisso com o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e, de acordo com os artigos relevantes do TNP, recordamos o direito de todos os Estados-Parte, inclusive a República Islâmica do Irã, de desenvolver pesquisa, produção e uso de energia nuclear (assim como o ciclo do combustível nuclear, inclusive atividades de enriquecimento) para fins pacíficos, sem discriminação (Declaração de Teerã em G1, 2010)." Ficava portanto estabelecido assim os tratados de Teerã, com o Brasil na época sendo protagonista no processo, um ponto significativo nas relações exteriores do período. 1 Licenciado em História pela UCSAL Bibliografia

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz Geopolítica e política exterior. Editora, FUNAG - Fundação Alexandre de Gusmão. BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos (de Collor a Lula, 1990-2004).

BRASIL, IPEA. A Política Externa Brasileira em Debate: dimensões e estratégias de inserção internacional no pós-crise de 2008.

DORATIOTO, Francisco. História das relações internacionais do Brasil. Editora Saraiva, 2017.

FREIXO, Adriano de., PEDONE, Luiz., RODRIGUES, Thiago Moreira., ALVES, Vágner Camilo. A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NA ERA LULA: UM BALANÇO (Orgs.). Apicuri; 1ª ed., 2011

Portal G1. Declaração de Teerã em G1, 2010.

QUINTAS, Felipe Maruf. Regime Militar – Regime Militar - A construção do Brasil. Clube de autores. 2024.

SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

TRAUMANN, Andrew. Os militares e os Aiatolás, relações Brasil-Irã (1979-1985). Paco; 1ª ed. 2016.

VIZENTINI, Paulo Fagundes. A política externa do Regime Militar Brasileiro.

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