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Belarus e os trinta anos de Lukashenko no poder

Marcos Jr. [1]

Neste último sábado, dia 20/07, completou-se trinta anos em que Alexander Lukashenko está como presidente de Belarus, uma ex-república da antiga União das Repúblicas Socialista Soviética (URSS) vizinha à Rússia que ganhou certa notoriedade após o início do conflito entre esta e a Ucrânia, em que, após ser acusada de colaborar com os russos e, por conta disso, sofrer sanções dos EUA e da União Europeia – um processo, por sinal, que iniciou-se em 2020, com uma tentativa de revolução colorida promovida pela oposição que acusou fraude no último pleito que reconduziria o líder belarusso para um quinto mandato.

No entanto, para entender muitas de suas atitudes no poder nessas três décadas é preciso entender a história de vida de Lukashenko [2] (vocês podem conferir também aqui [3] e aqui [4]), bem como sua carreira política.

Oriundo de família humilde e filho de mãe solteira, nasceu na cidade de Kopys, pequena cidade localizada no atual Oblast [5] de Vitebsk, e, após concluir seus estudos em nível superior serviu como guarda de fronteira e, posteriormente, para o Exército da antiga URSS entre os períodos de 1975-77 e 1980-82. Neste ínterim, ingressou no então Partido Comunista Soviético em 1979 e, após encerrar seu serviço militar assumiu cargos de gestão de uma fazenda coletiva na então República Socialista Soviética (RSS) da Bielorrússia.

Sua projeção para a política começaria em 1990 quando foi eleito deputado para o Soviete Supremo (um tipo de Câmara) da então RSS da Bielorrússia e, no ano seguinte, quando a URSS se encaminhava claramente para a dissolução foi o único membro do conselho a se opor a esse processo. Também se notabilizou por uma defesa estridente da moralização na administração pública, presidindo a comissão anticorrupção do órgão legislativo, já com Belarus independente. Isso pavimentou o caminho para a eleição presidencial de 1994, em que derrotou Vyacheslav Kebich no segundo turno, com mais de 80% dos votos.

Oposição à “terapia de choque”

Com a queda da URSS, muitas das ex-repúblicas soviéticas atravessaram uma transição de uma economia planificada para uma economia de mercado. Em alguns casos, como o ocorrido na Rússia e na Ucrânia, essa transição foi particularmente dramática, com a rápida dissolução do estado de bem-estar social, um processo de privatização conduzido de forma pouco transparente (para dizer em termos bastante generosos) e o rápido enriquecimento das cúpulas formadas pelos altos ex-burocratas soviéticos, além de corrupção e crime organizado disseminados – uma série de reportagens sobre a Rússia realizada pelo Jornal Nacional em 2002 (ver aqui [6], aqui [7] e aqui [8] para conferir cada uma das partes), dá noção do “rescaldo” desse processo, na época já enfrentado (e começando a ser revertido, mesmo que parcialmente) por Vladimir Putin.

No entanto, Lukashenko, agora presidente, adotaria um caminho totalmente diferente para realizar a transição de seu país do socialismo ao capitalismo que, na verdade, preservaria muitos dos elementos do passado soviético [9] na condução econômica de Belarus: diversos setores ainda são quase que inteiramente controlados pelo Estado, como o industrial e o agrícola (cerca de 90% das terras ainda são fazendas coletivas [10], uma herança do "antigo regime"), e a participação das empresas estatais perfaz cerca de metade do Produto Interno Bruto (PIB) do país.

Este último ponto é notado pela quase onipresença delas em diversas atividades: a mineração de potássio, mineral muito importante na produção agrícola – o Brasil, inclusive, é um dos principais clientes [11] – e de medicamentos, é feita pela Belaruskali, uma estatal que globalmente corresponde a 20% de todo o potássio produzido no planeta; os tratores, item importante para a produção agrícola, são produzidos pela Fábrica de Tratores de Minsk, também estatal (inclusive há planos desta de produzi-los no Rio Grande do Sul [12]); muitos itens alimentícios, entre laticínios, doces, bebidas e óleos, são produzidos pela estatal Belgospishcheprom que incorpora 57 plantas produtoras desses itens e diversas marcas, entre elas os chocolates da Kommunarka (que tive a honra, por duas vezes de experimentar); os maiores caminhões do mundo utilizados em atividades como mineração, são produzidos por outra estatal, a BelAZ. Isso para citar apenas algumas.

Esse curioso e relativamente complexo modelo econômico adotado em Belarus, somado à manutenção de boa parte da estrutura de assistência social herdada da URSS, faz com que Belarus desfrute de baixíssimas taxas de pobreza – na verdade se considerarmos a linha internacional de “extrema pobreza” internacional, de US$ 2,15/dia, o país não possui nenhum de seus habitantes abaixo dessa linha desde 2013. Além disso, a saúde e a educação são públicas e gratuitas, e o país está no terço das nações com desenvolvimento humano mais elevado.

Evidente que há diversos desafios a esse modelo alternativo que, em certo grau, mostrou-se bem-sucedido ao longo das três décadas que Belarus seguiu – e segue – sob Lukashenko, entre eles, a baixa produtividade do setor estatal e uma maior dependência da Rússia e da China – intensificada pelas sanções ocidentais. Cabe frisar ainda que o líder político belarusso soube muito bem explorar a posição geopolítica de seu país, uma “ponte” entre o Ocidente e a Rússia, para obter vantagens dos dois lados ao longo de seus cinco mandatos, sobretudo em períodos de crise.

Contudo, pode-se dizer que o “modelo belarusso”, por assim dizer, teve um saldo positivo para o país, no sentido de minimizar os choques decorrentes da transição de sistema econômico (como ocorreu em outras ex-repúblicas soviéticas), além de mostrar que é sim possível prosperar com uma ampla participação do Estado na economia. De qualquer forma, é algo que merece ser estudado com mais calma e profundidade.

[1] Formado em Engenharia de Produção, Especialista em Gestão Pública e servidor público.

[5] Equivalente a unidade federativa – estado.

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