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Balcanização e nigerianização: os riscos à integridade territorial brasileira

Atualizado: 26 de ago. de 2023

O mês de agosto foi marcado pela retomada de boa parte das atividades na política brasileira e, consequentemente, pela retomada a pleno vapor do noticiário da área. E, logo nos primeiros dias, uma entrevista do Estadão a Romeu Zema, governador de Minas Gerais, reacendeu rivalidades regionais latentes há algum tempo, causando reações de diversos políticos, não só da Região Nordeste, mas também do próprio Sudeste, que considerou a fala do mandatário mineiro inapropriada – Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, e Renato Casagrande, governador do Espírito Santo, são exemplos desse último ponto.

O ponto da fala de Zema que acendeu a polêmica foi a defesa da formação de um consórcio Sul-Sudeste a fim de obter “protagonismo político” para o bloco, algo que, segundo o governador de MG, “nunca teve”, mesmo se tratando de um grupo de estados que detém a maioria dos deputados da Câmara, da população e do PIB. Não tanto pela fala em si, que, a despeito das imprecisões históricas, soa um tanto inocente (na mais generosa das hipóteses), mas pelo efeito “apito de cachorro” em uma parcela radicalizada da sociedade que flerta com o separatismo ou mesmo com ideias que, se levadas ao final, conduziriam o país ao voto censitário, abolido desde 1891 no Brasil.

Antes de entrar ao ponto, cabe explicar porque considero o discurso de Zema impreciso do ponto de vista histórico – para dizer o mínimo: mesmo considerando apenas o período da Nova República, esse bloco que o mineiro pretende torná-lo consórcio regional conseguiu emplacar um presidente ou vice-presidente em todas as ocasiões (aliás, o atual vice, Geraldo Alckmin, foi governador de São Paulo por quatro mandatos), fora ocasiões em que emplacou presidentes na Câmara ou, mais raramente, no Senado. Isso sem falar no fato já mencionado de que já possui maioria na própria Câmara. Tendo essas questões em vista, falar em “ausência de protagonismo político” soa um tanto forçado.

Dito isso, voltemos ao “apito” já mencionado: diversos apoiadores do separatismo de estados ou regiões do Brasil entraram em êxtase com as declarações de Zema, alegando, entre outros pontos, que o retorno dos impostos pagos à União não ocorre de maneira justa. Entendo que é preciso rever o pacto federativo – não só no sentido distributivo em relação aos recursos, mas também em maior autonomia administrativa para os entes federados (estados e municípios) e uma representação política de fato proporcional – a fim de corrigir injustiças ainda não resolvidas pelo pacto social estabelecido na Constituição de 88, mas fragmentar o nosso país, como alguns propõem, estão longe de ser uma solução. Afinal de contas, salvo alguns países que dão pra se contar nos dedos, a fragmentação da América Espanhola no Século XIX em dezenas de repúblicas foi bem-sucedida?

Vamos lembrar que o atual desenvolvimento de determinadas regiões do país tão apregoado pelos separatistas em parte (diria até grande parte) é possível – apesar dos pesares – graças ao arcabouço institucional e financeiro proporcionado pela União. Caso estas se tornem países independentes, toda essa infraestrutura terá que ser feita do zero. A propósito, estabelecer um novo Estado soberano significa estabelecer ex nihilo uma nova infraestrutura institucional, jurídica, financeira, de defesa/segurança, etc. Isso sem mencionar a necessidade de se buscar o reconhecimento de outros Estados soberanos, tarefa essa nem sempre fácil – só observarmos o caso do Kosovo, país de reconhecimento limitado nos Balcãs. Os aspirantes a Jefferson Davis estão ponderando todos esses pontos?

Vamos lembrar ainda que o estabelecimento de novas nações implica também – ao menos em um primeiro momento – em restrições à livre circulação de pessoas, mercadorias e capitais, além de taxações hoje inexistentes. Como que os estados do Sul e São Paulo, por exemplo, realizarão suas colheitas sem poder ter o livre fluxo de trabalhadores do Norte ou Nordeste brasileiro? Essa – e muitas outras perguntas – os defensores da balcanização do país não respondem. E, creio eu, nem farão questão de responder.

Uma outra queixa na esteira das diversas que motivam as causas separatistas tem que ver com a baixa representatividade que os estados que compõem o Centro-Sul têm no Senado (são 33 cadeiras, contra 48 dos estados que compõem o Norte e o Nordeste), a despeito de terem PIB e população maiores, como mencionado antes. Pra começo de conversa é preciso entender que, via de regra no que se convenciona chamar de democracias representativas – seja em estados unitários, seja em federações – o Senado tem a função de representar os interesses das unidades administrativas do país, portanto cada uma delas precisa ter o mesmo peso. No tocante à representação proporcional à população a Câmara já exerce este papel.

Se a ideia é aumentar o peso do Centro-Sul no Senado, existem dois caminhos possíveis: o primeiro seria unificar alguns estados do Norte e Nordeste, uma saída bastante difícil, haja vista a necessidade de se conciliar interesses locais nem sempre harmônicos; o segundo, mais fácil – um pouco apenas –, seria... Veja bem, os estados que hoje compõem o Centro-Sul se dividirem em novas unidades federativas, até, enfim, conseguirem a maioria das cadeiras na câmara alta do Legislativo.

Essa “solução” foi, basicamente, a adotada na Nigéria para acomodar as numerosas diferenças étnicas e religiosas do país – nem sempre resolvidas pacificamente (a guerra de secessão de Biafra no final dos anos 1960 e as insurgências atuais não me deixam mentir) – em seus 63 anos de existência. A nação africana, do tamanho do estado do Mato Grosso e com 213 milhões de habitantes – maior que a do Brasil, começou com apenas três estados, mas, ao longo dos anos, se particionou em novas unidades federativas até chegar ao arranjo atual, de 36 estados e um território, onde fica Abuja, a capital federal.

Mas a “nigerianização” do território brasileiro, em que cada desavença interna seria “resolvida” com a criação de novos estados (com toda a necessidade de se criar um arcabouço institucional, administrativo e financeiro, ainda que em complexidade menor que a de um país), não resolveria os problemas – da mesma forma que não resolveu por lá. Primeiro que nada garante que as novas unidades federativas se alinhariam aos interesses das regiões que fazem parte, visto que elas podem possuir aspectos particulares que mais aproximam de outra região. O norte de Minas Gerais – estado governado por Zema – possui aspectos econômicos, sociais, geográficos e políticos mais similares ao Nordeste. Caso este viesse a se tornar um novo estado, o que garante que este passaria a defender os interesses do Sudeste?

Percebe-se que tanto a balcanização como a nigerianização são caminhos – um mais curto e outro mais longo, respectivamente – de fragmentar e provocar cizânias em uma nação que só é o que é por todos, juntos, poderem falar a uma só voz. Evidente que existem distorções no pacto federativo, como mencionei antes. Mas só existe saída civilizada para isso por meio da política. Criar tensões que favoreçam divisões no país é exatamente o que as grandes potências querem, para que nós, brasileiros, caiamos. Mas não devemos cair. Não precisamos cair. Não temos que cair. E, sobretudo, não vamos cair.

Juntos, nós somos mais. E é isso que deveria nos interessar. Até a próxima.

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