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Ataques em escolas: como chegamos a isso e como podemos (tentar) virar o jogo – Parte 2

No primeiro artigo desta série, abordei alguns dos fatores que, em conjunto, formam o “caldeirão” sociocultural que recentemente, entornou e levou o Brasil a vivenciar uma questão relativamente nova: os ataques, promovidos por alunos ou não, a escolas públicas e particulares. Resumidamente, afirmei que um processo paulatino – e acelerado – de americanização da sociedade brasileira, desestruturação familiar, deterioração da saúde mental – acelerada pela pandemia de Covid-19 e ausência de uma base moral e mesmo espiritual sólidas são alguns dos principais fatores por trás desse fenômeno.

Nesta segunda parte, irei falar de algumas possíveis soluções, em curto, médio e longo prazo, para atacar o problema. Antes, porém, cabem três observações: a primeira, é que, mais uma vez, seria presunção de minha parte dizer que a discussão se esgota neste artigo; a segunda é que quando alguém chega ao ponto de entrar em uma escola para atacar – e às vezes matar – pessoas aleatoriamente (ou nem tão aleatório assim), é um sintoma claro de que a sociedade adoeceu e essa doença já está em fase bem avançada, como um câncer que já entrou em metástases, exigindo, portanto uma solução rápida e enérgica; a terceira, por fim, é que será preciso um consenso mínimo entre esquerda e direita se quisermos chegar a algum arsenal de soluções para o problema.

Dito isso, vamos ao que interessa: a primeira medida, a ser tomada em curto prazo (diria curtíssimo) para conter tais ameaças imediatas à vida dos membros da comunidade escolar, é o óbvio: reforçar as medidas de segurança ativa e passiva nas instituições públicas e privadas de ensino. Por segurança ativa, entenda isso como protocolos mais rigorosos de controle de acesso, presença de seguranças (ou, em instituições públicas, até mesmo de policiais) armados, posicionamento de postos de apoio policial próximos onde isso não for viável, etc. Por segurança passiva, podemos elencar o emprego de detectores de metais, muros mais altos e espessos, cerca elétrica, arame farpado e, em casos mais extremos, a construção de fossos entre o muro externo e o interior de tais instituições.

Evidentemente, eu entendo que tal medida venha a soar um tanto radical a alguns, ou ainda, no aspecto estético, venham a tornar creches, escolas e instituições de ensino superior verdadeiros “presídios” de crianças, adolescentes e jovens, mas entendo que, infelizmente, é o preço a ser pago para um ganho imediato de segurança. Eu também entendo que, em médio e longo prazo, tal medida não evitará que novas atrocidades como as vistas nos últimos meses se repitam. Em suma, a medida é necessária, mas não suficiente.

Um adendo à essa questão tem que ver com um trabalho minucioso de inteligência, sobretudo com o monitoramento das redes sociais, hoje a principal fonte de articulação de ataques e de disseminação de conteúdos que visam incentivar tais atos terroristas. Além disso, é preciso endurecer a legislação no sentido de punir não só quem perpetra tais atrocidades, mas divulga, faz comentários favoráveis ou mesmo “curte” esse tipo de conteúdo, com multas e prisão. Sim, gostemos ou não, punitivismo é necessário.

A segunda medida, também anunciada por alguns governos estaduais como o do Espírito Santo (onde moro), é prover apoio psicossocial a estudantes, professores e servidores administrativos nas instituições de ensino bem como, se necessário, às suas respectivas famílias onde houver maior necessidade. Como disse na parte anterior, temos uma séria problemática de saúde mental – já pública e notória – nos últimos anos, agravada pela pandemia de Covid-19, seja pela crise sanitária em si, seja pelas medidas restritivas com o intuito de deter a disseminação da doença, seja pelo prejuízo à continuidade ou mesmo à realização de tratamentos por conta de tais medidas. Com o retorno às atividades presenciais, isso veio à tona de diversas formas, inclusive na de violência.

Evidente que essa medida surtirá efeito apenas em um horizonte de médio a longo prazo, e dependeria muito do apoio familiar, este comprometido por conta do cenário de desestruturação desta unidade básica da sociedade, ponto que abordo no próximo item.

A terceira ação tem que ver com a necessidade de se reestruturar e prover medidas de amparo às famílias, que, como disse logo acima, são as unidades básicas de uma sociedade – sim, são as famílias, não os indivíduos. Seriam medidas em múltiplas frentes, com a participação do Estado em conjunto com instituições intermediárias – organizações religiosas, associações de moradores, sindicatos, etc. Uma delas, em particular, tem que ver em assegurar maior tempo para que os pais estejam perto de seus filhos, seja por meio de políticas públicas que visem assegurar empregos mais dignos, com jornada razoável, tão próximos de onde moram quanto possível, que remunerem melhor e que garantam um descanso semanal.

Digo isso porque, muitas vezes, os pais precisam acordar cedo, trabalhar até depois do horário comercial e, somado aos deslocamentos, só são capazes de ver os filhos quando estes acordam e quando dormem ao longo da semana. E, a depender da situação, nem sempre os pais têm o descanso semanal no mesmo dia (e pior, pode cair durante a semana, quando os filhos têm parte do dia comprometido com a escola).

O resultado é uma interação familiar comprometida, tanto em quantidade de tempo como em qualidade. Aproveito o gancho para um “puxão de orelha”: é muito fácil a atual direita brasileira, que tanto faz questão de apontar o dedo para a esquerda pelas suas pautas desagregadoras em relação à família (não sem razão, como já apontei na parte anterior), mas, no campo econômico, mostra-se no mínimo negligente ao defender uma liberalização do mercado de trabalho sem freios e contrapesos, que, como falei antes, resulta em menos tempo em família.

A quarta medida, por fim – e longe de esgotar a discussão –, tem que ver com a necessidade de restaurar as bases morais e espirituais da sociedade. A vida não se limita nem se resume ao horizonte material (trabalho, estudo, consumo, etc.), requerendo um sentido existencial que transcenda o materialismo que nos permeia. E nesse ponto que dou um puxão de orelha à atual esquerda, que, por muitas vezes, adota uma postura anticlerical, ignorando o fato de que, como disse antes, não há vácuo, sendo este preenchido por discursos extremistas de toda sorte. Evidente que tal medida, tal como a anterior, não depende unicamente do Estado, e seus efeitos serão surtidos apenas em longo prazo.

Finalizo este artigo com um adendo: sabemos, como colocado na parte anterior, que essa problemática dos ataques em escolas no formato atual é “importada” dos EUA (aliás, uma coisa que precisamos parar é com a péssima mania de “importar” discussões de temas que só fazem sentido para os norte-americanos). No entanto, tentar importar o debate quanto às soluções servirá apenas para chegarmos a lugar nenhum.

O problema não está nas armas nem na falta delas – visto que os ataques ocorrem a despeito delas (os EUA têm quase uma arma por habitante e mesmo assim enfrentam ataques quase diários) ou não (no Brasil, os episódios mais recentes ocorreram com arma branca). Além disso, nosso país não possui algo semelhante à Primeira Emenda da Constituição norte-americana, o que, para bem ou mal, facilita ao governo federal tomar medidas para assegurar a ordem social. Em nosso país, é pacificado o entendimento de que as garantias e liberdades individuais não podem servir de escudo para cometer crimes.

Findo o adendo, encerro este artigo, reiterando que isso, nem de longe, encerra a discussão. E fiquemos atentos aos desdobramentos. Até a próxima.

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