top of page

Ataques em escolas: como chegamos a isso e como podemos (tentar) virar o jogo – Parte 1

Atualizado: 12 de abr. de 2023

Nos últimos meses de 2022 e nestes primeiros de 2023, uma problemática – até então – incomum no ambiente escolar brasileiro tem se tornado cada vez mais recorrente: os ataques a alunos, professores e funcionários em instituições de ensino, públicas e particulares, promovidos por alunos, ex-alunos e/ou indivíduos completamente alheios à comunidade acadêmica.

Alguns dos episódios mais notórios foram o atentado a duas escolas – uma estadual e outra particular – em Aracruz (ES), em novembro do ano passado, que terminaram com três professoras e uma aluna morta (além de 11 feridos); o ataque em uma escola estadual em São Paulo (SP), que terminou com uma professora morta (e outros feridos); o massacre em uma creche particular em Blumenau (SC), que terminou com quatro crianças mortas (e outras cinco feridas); e, recentemente, o ataque em uma escola particular em Manaus (AM), que, felizmente, não terminou em morte, mas teve pelo menos dois feridos.

Isso sem falar em outros incidentes de menor repercussão, talvez para evitar estímulos a novos ataques, muito embora, em tempos de redes sociais, essa postura da mídia em dar o mínimo de informação possível acerca dos agressores – ainda que bem-vinda, cabe o registro – não tenha a mesma efetividade que tinha ao longo dos anos 1990 e 2000.

Antes de entrar nos pontos que dão nome ao título deste artigo – por sinal, participei de uma edição especial do Bate-Papo no canal deste portal no YouTube – cabe abrir um parêntese para fazer quatro colocações: a primeira, é que este texto não possui – e nem teria como, seria extremamente presunçoso dizer o contrário – qualquer pretensão de esgotar a discussão sobre o tema; a segunda, é que estamos tratando de um problema multifatorial, cujo arsenal de soluções precisa ser aplicado em curto, médio e longo prazo; a terceira, é que muito do que eu irei falar ao longo dos dois pontos se baseia, de em uma cosmovisão cristã; a quarta, por fim, é que, para não tornar o texto excessivamente longo, irei dividir o artigo em duas partes, com a primeira apresentando os fatores e a segunda apresentando as possíveis soluções.

Dito isso, vamos ao primeiro ponto do artigo, que se trata do que levou ao atual estado de coisas, lembrando – porém – que a ordem de citação dos múltiplos fatores não necessariamente indica a respectiva importância dos mesmos. O primeiro deles está relacionado ao paulatino (e cada vez mais evidente e acelerado nos últimos anos) processo de americanização da sociedade brasileira em múltiplas frentes, em que os atuais polos que hegemonizam o debate público – direita e esquerda – são sócios nessa postura perniciosa.

Se por um lado a atual direita quer que o Brasil seja uma cópia cuspida e escarrada do Texas ou da Flórida, hoje dois bunkers do Partido Republicano, a atual esquerda quer que o Brasil seja uma cópia igualmente cuspida e escarrada da Califórnia, hoje o principal bunker do Partido Democrata. Se por um lado a atual direita prega uma cultura de armas e liberdades individuais que, tanto do ponto de vista ideológico como pragmático, só faz sentido na sociedade americana, a atual esquerda prega uma cultura woke (ou identitária) completamente alienígena em relação ao nosso país.

Em algum ponto perdido nesse processo, resolvemos importar a problemática dos mass shootings, em que indivíduos resolvem abrir fogo, aleatoriamente ou visando alvos específicos, em escolas ou outros locais públicos, matando várias pessoas e, eventualmente, acabam se matando. Como a posse de armas no Brasil não chega ao ponto de termos uma para cada cidadão (felizmente, e olha que não me oponho ao porte de armas), os autores dessas carnificinas acabam recorrendo a armas brancas, levando suas vítimas a mortes um tanto mais cruéis.

O segundo fator tem que ver com a desestruturação familiar – em algum grau derivado desse processo de americanização, visto que nos EUA a ideia de família se resume ao simples núcleo de pai, mãe e filhos em vez do conceito ampliado de várias gerações interagindo em torno de figuras centrais. Claro que não se trata de todos os casos, mas boa parte dos autores desses ataques fazem parte de famílias com, pelo menos um desses problemas: pai e/ou mãe ausentes; relacionamento familiar problemático; pouco ou nenhum controle dos pais nas atividades dos filhos quando criança e/ou adolescente, etc.

Cabe salientar – e aí vai meu puxão de orelha à neodireita brasileira, que brada tanto em “proteger a família” – que esse processo também foi ajudado pela liberalização sem freios e contrapesos do mercado de trabalho (tão defendida por esse setor do espectro político), aumentando a necessidade por jornadas maiores e/ou menos previsíveis de trabalho e, consequentemente, reduzindo o já pouco tempo de interação dentro do núcleo familiar.

Junte isso com uma exposição cada vez mais precoce – e com cada vez menos controle – à tecnologia e temos milhões de crianças e adolescentes expostos e, por que não, “educados” (afinal de contas, não existe vácuo) por toda sorte de conteúdo. E, como num processo socialmente entrópico, sua mente – ainda falarei sobre saúde mental – estará (de)formada por conteúdos completamente inadequados de violência, sexo, drogas ou ideologias desagregadoras (já mencionadas antes) – talvez o pior, por conduzir aos anteriores.

O terceiro fator tem que ver com a deterioração da saúde mental dos brasileiros, tendência essa acentuada pela pandemia de Covid-19 e pelas restrições sanitárias feitas com o intuito de deter sua propagação, como o isolamento ou distanciamento social, por exemplo. Sem o contato “mano a mano” – ou com este limitado a uma interação fria diante de uma webcam ou câmera frontal de celular, as pessoas ficaram mais solitárias e, somado aos temores da doença em si ou das consequências econômicas e sociais da pandemia, não poucas desenvolveram diversos transtornos, como os de ansiedade e depressão, por exemplo.

Como as próprias restrições dificultaram a detecção e tratamento desses transtornos, estes vieram à tona – de forma bastante exacerbada – no retorno às atividades presenciais. E comportamentos antes limitados às câmeras tomaram forma no “ao vivo”, o que, em casos mais graves, explodiu em casos de violência. Junte isso à anteriormente mencionada desagregação familiar e temos mais uma receita para o desastre.

O quarto fator, por fim, é mais profundo e, por que não, transcendente: a falta de uma base moral – e por que não, espiritual – sólida e absoluta na sociedade. O filme A Onda (2008), a despeito de suas limitações por não retratar um ambiente já moldado pelas redes sociais, mostra muito bem a lógica que leva à radicalização de pessoas e grupos (peço perdão por possíveis spoilers): jovens, que até então viviam uma vida completamente sem sentido para além das aulas, dos divertimentos e mesmo das drogas e álcool, são convidados por um professor que conduz um experimento sobre autocracia em sala de aula, com direito a uniforme, símbolo e gesto. Este experimento acaba saindo do controle, ultrapassando os limites da sala de aula e levando a episódios de violência, mas, quando o professor decide encerrá-lo, é confrontado por um aluno que alega que aquilo “era a vida dele”.

Reitero: na vida não existem vácuos. Na ausência de uma base sólida e absoluta de valores, essas pessoas serão levadas a se integrar no primeiro grupo que lhe der abrigo. E, lamentavelmente, muitos desses grupos dão sentido à sua existência ao odiar e hostilizar outros grupos, muitas vezes de forma violenta e, em último caso, fatal. A polarização política dos últimos anos (copiada dos EUA, reitero) e o crescimento de grupos extremistas (idem) – alguns deles neonazistas e/ou supremacistas –, legitimado pela ação ou omissão de determinados atores recentes da política e/ou debate público, é um desdobramento desse último fator.

A propósito, com base em uma pesquisa do instituto Norc feita pelo jornal Wall Street Journal, a sociedade americana que muitos – à esquerda e à direita – querem copiar, dá claros sinais dessa falta de sentido: de 1998 a 2023 (últimos 25 anos), religião e patriotismo tiveram seu grau de importância severamente reduzido, enquanto o dinheiro ultrapassou esses dois nesse mesmo período. Eis o Mamom a quem muitos querem adorar. E, sabendo ou não ou querendo ou não, ele exige sacrifícios, alguns deles, como já mencionei, pesados, como o tempo com a família e com os demais círculos da comunidade.

Encerro este artigo apresentando – diria de maneira bem resumida, visto que a discussão sobre cada tópico dá muito pano para manga – os quatro pontos que nos levaram ao atual estado de coisas, todos eles de alguma forma interligados e que, juntos, formam as condições ideais para um verdadeiro desastre civilizacional em nosso país. No próximo estarei escrevendo sobre o arsenal de medidas com o intuito de (tentar) virar o jogo. Até a próxima.

Comments


Commenting has been turned off.
bottom of page