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A síncope na política brasileira que degenerou em demência

Atualizado: 26 de out. de 2023

Em O Quinto Movimento, livro escrito por Aldo Rebelo (por sinal, recomendo fortemente a leitura), o jornalista, escritor, ex-deputado federal e ex-ministro sintetiza a história do Brasil em “quatro movimentos”, sendo o quarto deles correspondente ao Brasil republicano, que, nos últimos anos, tem sido marcado por um estado que o autor, em certo momento que falou de sua obra, chamou de “síncope”, uma situação em que o país, social, política e institucionalmente, perde sua consciência. Disso vem a necessidade, segundo Rebelo, de o país lançar um novo movimento na história, que dá nome ao título do livro.

Mas não é do livro – que, mais uma vez, recomendo a leitura – em si que irei falar, muito embora usarei a descrição desse estado de coisas que assombra o país há pelo menos dez anos. Não só não saímos dele, mas também se nota de que estamos, no momento, cada vez mais nos aprofundando nesse estado de perda de consciência nacional. E pior: por razões cada vez mais alheias ao interesse e às reais necessidades do país. A meu ver, chamar isso de “síncope” é um exagero de generosidade. A política brasileira entrou em um estado que está mais para demência, pura e simples.

Dois fatos no noticiário recente do país reforçam essa ideia: o primeiro, em que Felipe Neto, influenciador digital notabilizado por inutilidades como ajudar o irmão a se “banhar” com Nutella e imitar uma foca para uma plateia de crianças, além de – convenientemente – ter adotado um discurso progressista nos últimos anos, envolvendo-se em múltiplas polêmicas com políticos e influenciadores ligados ao bolsonarismo, foi chamado pela Lacta para ser garoto-propaganda do Bis, um dos principais doces da marca de chocolates.

Isso foi o suficiente para que os bolsonaristas mobilizassem pelas redes sociais uma campanha de boicote contra o miniwafer. E, pelo visto, a “bandeira branca” levantada pelo influenciador, no sentido de obter uma trégua, não mudou o ímpeto desses, com alguns, inclusive, fazendo campanha para que comprassem Kit Kat, da concorrente Nestlé – mal sabendo que já teve propaganda deles que, convenhamos, é tudo, menos conservadora. Evidente que a nova esquerda também se envolveu nessa importantíssima querela, defendendo Felipe Neto, com alguns, inclusive, tirando fotos com uma caixa de Bis. Se alguém dissesse, há 100 anos, que a briga entre esquerda e direita seria em torno de algo que hoje está mais pra um tolete de gordura hidrogenada com açúcar, seria motivo de piada.

Mas o estado de demência no debate público da política brasileira não para por aí: ontem, a Assembleia Legislativa de Rondônia aprovou um decreto legislativo que concedia o título de cidadão honorário do estado a Benjamin Netanyahu, atual primeiro-ministro de Israel e atualmente envolto em uma guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza, um dos territórios palestinos. O ato, por si só uma daquelas encheções típicas de linguiça no Poder Legislativo, fica ainda mais bizarro com a justificativa: “pelos relevantes serviços prestados ao Estado de Rondônia”. Até onde sei, “Bibi” nunca pisou em Rondônia. E, talvez, não sabia apontar onde ficaria o estado no mapa sem fazer uma pesquisa no Google. Diante da repercussão da presepada, o deputado estadual Delegado Lucas (PP-RO), autor da homenagem, defendeu que esta fosse revogada.

Lembrando que estes fatos, que pautaram o debate público na política nacional na última semana, ocorreram em um momento que o país tem muitas pautas importantes a discutir, tanto interna como externamente. Seja na economia, com a necessidade de se retomar uma agenda de crescimento para além dos “voos de galinha” característicos deste período neorrepublicano. Seja na segurança pública, nosso calcanhar de Aquiles, com episódios de explosões de criminalidade em algumas metrópoles brasileiras. Seja na saúde e/ou na educação, cujas carências são não menos importantes. Seja no posicionamento em relação à atual conjuntura geopolítica global.

Como disse antes, já passamos da fase de síncope. A política nacional está em franca demência. E, pelo visto, alguns se orgulham disso.

P.S.: se ainda querem falar de chocolate, fica a dica: nem Bis e nem Kit Kat. Comam Trento ou Bib’s e valorizem a indústria nacional.

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