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A discussão que realmente importa para a economia brasileira


No último domingo do mês de outubro, dia 30, os brasileiros decidiram pela mudança de rumos: após semanas de uma disputa acirrada e visceral, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) derrotou o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL), por uma acirrada margem de cerca de 2 milhões de votos – o equivalente a um Distrito Federal de eleitores –, fazendo com que tivéssemos o primeiro incumbente a não conseguir a recondução e o primeiro ex-presidente eleito pelo voto popular a retornar à chefia do Executivo pelo mesmo instrumento.

Mas não se trata dessas quebras de tabus – assim como o Datafolha sendo destronado pelo MDA como o instituto de pesquisa que mais chegou perto do resultado das urnas – que irei tratar. Muito menos dos ruidosos protestos contra os resultados eleitorais. Rei morto e rei posto, é preciso que olhemos para frente e não furtemos de colocar sobre a mesa os temas que realmente importam no debate público.

Um desses temas, evidentemente, é a economia – um ponto central em praticamente todo ciclo eleitoral, sendo que este último não fugiu à regra. Em que pese o fato de termos enfrentado duas condições extremamente atípicas – a pior crise sanitária global em mais de 100 anos e o pior conflito armado desde a Segunda Guerra Mundial –, isso não muda o igual fato de que os números destes últimos quatro anos são nada abonadores: confirmados os prognósticos do Boletim Focus, o governo Bolsonaro fechará com uma média de crescimento de 1,11% ao ano.

Trata-se de um desempenho inferior aos dois anos completos de Temer (1,55% a.a.) e praticamente igual aos cinco anos completos de Dilma (1,15% a.a.). Isso sem falar nos onze meses consecutivos de acumulados de 12 meses de inflação acima dos 10% e da queda da renda do trabalhador brasileiro, a despeito de o desemprego, finalmente, ter reduzido para abaixo da linha dos dois dígitos percentuais.

E antes que alguém mencione as questões da pandemia e da guerra, cabe mencionar que mesmo os anos “normais” são de desempenho apenas mediano, em linha com o observado nos dois governos anteriores. E ressalto que não se recebeu uma “terra arrasada” em 2019 – diferente de meados de 2016, além de que o governo que se encerrará ao final deste ano iniciou com capital político robusto e uma base parlamentar que daria plenas condições de governabilidade.

Feita essa observação necessária, voltemos ao ponto: algumas propostas do governo Lula para a economia são muito conhecidas – desde quando foi presidente entre 2003 e 2010. Basicamente, trata-se da retomada de uma política robusta de investimentos públicos e gastos sociais, diretamente ou via bancos, como registrado nesta matéria do jornal O Globo. Não menos importante está a questão do Auxílio Brasil – que voltará a se chamar Bolsa Família (o que considero justo, pois reforça a ideia de uma política de Estado e não de Governo), bem como da valorização real do salário mínimo.

Estas duas últimas, por sua vez, estão no bolo da polêmica quanto à forma para financiar estas medidas, uma vez que se exigirá um novo waiver. Ou, em português mais claro, mais um puxadinho na laje que virou o teto de gastos (caminhamos para o quarto ano seguido, e contando). Evidente que o governo Lula, sob sério risco de ter seu governo dificultado de forma muito maior que a esperada, precisará sinalizar uma nova regra fiscal, factível e que dê margem para o setor público investir. A propósito, a necessidade disso já estava ponderada desde 2019 – antes mesmo da pandemia, portanto –, conforme artigo dos economistas Fábio Giambagi e Guilherme Tinoco publicado na revista do BNDES.

Retomando a matéria d’O Globo, que fala sobre a possível retomada do protagonismo dos bancos públicos no futuro governo Lula, vejo as iniciativas aventadas pelo entorno do petista como interessantes, muito embora seja preciso saber como serão modeladas de forma a se tornarem eficientes e eficazes. Uma das medidas anunciadas que me agradou mais foi o incentivo à troca de máquinas e equipamentos, a fim de reaquecer a indústria. Trata-se de uma medida positiva, no sentido de que a modernização do maquinário, para além da finalidade mencionada, também é uma medida que ajuda nos ganhos de produtividade, tão necessários à nossa economia para efeito de competitividade.

No entanto, é preciso um passo mais ousado, no sentido de que os bancos públicos sejam, como instrumentos de política industrial, agentes financeiros da internalização das cadeias produtivas. Os choques causados pela pandemia de Covid-19, cujos efeitos impactaram nos preços de diversos bens no mundo (quem comprou eletrônicos nos últimos meses sabe muito bem do que estou falando), apenas evidenciam essa necessidade. No caso brasileiro, isso mostrou-se deveras grave, uma vez que, na fase mais aguda da crise sanitária, mesmo itens básicos como máscaras eram importados. Um claro reflexo da desindustrialização que limita o crescimento econômico aos “voos de galinha” e diminui a oferta de empregos de melhor remuneração.

O futuro presidente Lula terá uma segunda chance para corrigir deficiências históricas de nossa economia – estas, inclusive, continuadas ou mesmo aumentadas sob sua primeira passagem pelo Planalto, como o crescimento da dependência de commodities. E, dadas as circunstâncias, sua margem para erro será muito menor. A responsabilidade fiscal é importante e necessária, mas não deve ser um fim em si mesmo ou algo em busca de finalidades abstratas, como fazer a “fada da confiança” bater sua varinha de condão e trazer investimentos externos ao país. Antes, deve ser um instrumento capaz de dar musculatura e robustez ao Estado para investir.

Por outro lado, precisamos usar nossas vantagens competitivas como um trampolim para fazer o Brasil chegar ao futuro que nós queremos. Não há contradição entre o agro e o setor de petróleo e gás, por exemplo, e o setor industrial. Pelo contrário, estes dois setores – entre outros em que o Brasil é ou pode ser forte, podem ser as bases de nossa reindustrialização. Mas, para não delongar ainda mais este artigo, deixarei isto para uma próxima oportunidade. Até mais.

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