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A crise da Americanas: as questões e as reflexões sobre o capitalismo tardio brasileiro

O setor de varejo e o mercado financeiro no Brasil sentiram – e ainda estão sentindo – um duro impacto desde o dia 11/01, com a revelação de que a Americanas, uma das três grandes redes varejistas do país, junto com a Via e a Magazine Luíza, descobriu uma “inconsistência” de R$ 20 bilhões de reais em seus balanços contábeis.


Com a revelação do rombo, para além da renúncia do CEO da companhia, Sérgio Rial, as ações despencaram 75% em um único dia (e mais ainda nos dias seguintes), e a empresa encaminha-se a largos passos para uma recuperação judicial de proporções titânicas, com efeitos não totalmente conhecidos, mas que certamente serão expressivas para a economia real brasileira – leia-se: empregos, renda e claro, consumo.


O tombo da gigante varejista, bem como seus desdobramentos ainda incertos, traz à baila algumas questões que ainda precisam ser respondidas, bem como reflexões sobre o papel do varejo na retomada da economia brasileira e mesmo sobre a formação ética no meio empresarial, pontos esses importantes no nosso capitalismo tardio.


A primeira questão, um tanto óbvia: como que uma empresa listada em bolsa de valores, auditada interna e externamente, não conseguiu detectar uma inconsistência de tamanha magnitude? A segunda, derivada da primeira: como a empresa de auditoria externa PwC, uma das quatro gigantes da área, deixou passar, parafraseando a citação bíblica de Cristo, um “camelo”? Aliás, o que garante que outras empresas auditadas pela mesma firma não estejam também em xeque?


A terceira: essa “inconsistência” de R$ 20 bilhões nos balanços contábeis da Americanas é fruto de mera burrice operacional? Se tomarmos emprestada a navalha de Hanlon, em que não se deve atribuir à maldade o que pode se atribuir à estupidez humana, teríamos, sem dúvida, a maior lambança financeira na história do setor privado brasileiro.


No entanto, não só o tamanho do buraco em si, mas a venda de ações da empresa por parte de seus diretores, antes do escândalo vir à tona, levanta o outro lado desta mesma questão: estamos diante da maior fraude financeira da história do mercado brasileiro? Tais revelações, junto com a guerra de narrativas entre o Banco BTG, comandado por André Esteves e um dos maiores credores da Americanas, e a 3G Capital, dos empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, e principal acionista da empresa, lança uma suspeição ainda maior em relação a este cenário. E, convenhamos, que briga de cachorro grande é essa.


Questões postas, é preciso fazer, pelo menos, duas reflexões sobre este caso que, como afirmei antes, possui desdobramentos ainda em curso. A primeira, levantada pelo jornalista Fausto Oliveira em seu perfil no Twitter, tem que ver com o modelo de retomada da economia que se pretende – e precisa – adotar. Tendo em vista que, para além da Americanas, as outras duas gigantes varejistas (Via e Magalu), ainda que estejam um tanto melhor, também não estão muito bem, e isso a despeito dos estímulos ao consumo que beneficiaram o setor nos últimos 15 anos, é preciso pensar para além disso se quisermos pensar em um aquecimento sustentável e saudável para a economia brasileira.


A segunda, igualmente levantada pelo escritor, tem que ver com a formação existente no empresariado brasileiro (e voltamos ao “lado B” da terceira questão abordada anteriormente): não é no mínimo questionável, do ponto de vista ético, que um dos “livros de cabeceira” de um dos principais acionistas da Americanas pregue, com todas as letras, o atraso de pagamento a fornecedores enquanto método de gestão? Como preconiza o filósofo Richard M. Weaver, as ideias têm consequências. E, no caso em questão, potencialmente – ou, independente se a Americanas seguirá para a recuperação judicial ou falência, realmente desastrosas.


Em tempos de ESG (Environmental, Social and Governance, ou, em tradução livre, Governança Ambiental, Social e Corporativa) – por sinal, uma sigla cada vez mais comum nos meios corporativo e governamental e que, gostemos ou não, precisaremos aprender – por mais que os dois primeiros pontos tenham ganho importância cada vez maior, estes dois não se sustentam sem o último, a governança corporativa. E é neste ponto em que uma formação do empresariado não nos aspectos financeiros relacionados ao negócio, mas também – e principalmente – éticos, se encaixa. A picaretagem enquanto método de gestão não pode, em nenhuma circunstância, ser romantizada (como uma porção de coisas no meio empresarial, mas isso é tema para outro artigo).


No mais, resta torcer para que a Americanas se recupere dessa sangria terrível (muito embora, há de se admitir, será difícil). Infelizmente, mesmo em um cenário mais benigno, muitas lojas se fecharão e trabalhadores perderão seus empregos e renda, comprometendo a já combalida recuperação econômica do país. E isso sem prejuízo dos efeitos em cadeia que o encerramento parcial das operações da companhia gerará ao comércio em geral, sobretudo nos shoppings (alguém imagina um sem Americanas?). Que estes trabalhadores também possam conseguir, logo, se reposicionar no mercado de trabalho. Até a próxima.


Atualização: enquanto o post estava em preparação para ser publicado, a recuperação judicial da Americanas foi pedida e aprovada. Enquanto isso, a "inconsistência" contábil da Americanas pode ser ainda maior: 25 bilhões, frente aos 20 anunciados anteriormente...

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